Artigo - |
O Globo |
1/11/2006 |
O processo eleitoral mostra o que os modelos estabelecidos escondem. Refiro-me ao fato trivial, mas implícito, da equação pessoal, ou daquilo que Fernando Henrique, como sociólogo de primeira linha, chamou de "fulanização" de cada disputante: o modo pelo qual questões políticas e sociais, das mais comezinhas ("vou acabar com a pobreza") às mais abstratas (o que é uma democracia liberal, em que valores ela se escora), se concretizam numa pessoa: no seu estilo de se apresentar como um Fulano político deste ou daquele partido, definido (e moralmente coagido) por tais ou quais idéias, valores e condutas. "Fulanizar" ou personificar é pôr na própria persona certas idéias. Os atores fazem isso a todo instante, mas só os grandes intérpretes conseguem se transformar nos seus personagens a ponto de se confundirem com eles em corpo e alma, em aparência, inteligência e emoção. Não é por acaso que os assessores são importantes como monitores da apresentação geral dos candidatos. Daí a importância, gostemos ou não, dos marqueteiros. Pois, como os diretores de cinema, eles têm como tarefa enxergar além do combate e das sufocantes trivialidades das campanhas políticas. Se a rotina é marcada pelas emoções mais elementares, pois a disputa desestabiliza e, no Brasil, competir já é um ônus que o nosso viés aristocrático rejeita e considera menor (coisa da ralé, das pessoas comuns), tanto maior o papel daqueles que orientam o candidato a desempenhar o seu papel. E, em política, desempenhar um papel é ser capaz de personificar nos gestos, nas roupas, na voz, na inteligência, e no seu clima sentimental alguma idéia, projeto ou postura. O que vimos neste segundo turno, que, para muitos - ledo engano -, seria uma nova eleição, foi o inevitável peso das pessoas dos candidatos e de seus associados, cada qual coagido por um conjunto de valores definidores dos grupos e partidos que representavam. E nisso vai um mundo. É aí que está o "X" da questão. Por exemplo: quanto mais moderno o candidato (mais próximo de uma agenda liberal que distingue as regras do jogo do desejo pessoal do político, pretende calibrar meios e fins e é dominado pela lógica economicista do custo benefício), mais frio e tecnocrático surgirá aos olhos do público. Sobretudo de um público brasileiro que viu um regime militar autoritário paradoxalmente implementar uma agenda "liberal" mas só no plano econômico. Nesse regime, existia uma liberdade econômica relativa, pois a ela não se ligava a liberdade individual que se funda na escolha e no debate político. Se você soma a isso um tipo esguio, branco, de cara e cabeça sem pêlos, o que - como acentuam os estudos antropológicos sobre o simbolismo do cabelo - sinalizam disciplina, controle, contenção e, no limite, ausência de sentimentos, você começa a entender bem aonde quero chegar. Pois o exato oposto disso era a imagem do candidato Lula, com sua farta cabeleira e barba e, melhor que tudo isso, seu suor que - entre nós - sinaliza o trabalho duro, o esforço e, mais do que a emoção, a vibração de quem - apesar de ser presidente - está na luta querendo vencer. E vencer para o povo pobre, em nome de uma velha e bem estabelecida tradição populista, mas posta em prática em larga escala pelos seus programas sociais. Ademais, Lula assinalava uma dimensão fundamental do viés salvacionista, segundo o qual o presidente tudo pode e, se quiser, modifica por vontade própria toda a vida social. Tradição que os eventos do mensalão e do dossiê acabaram acentuando positivamente por absoluta falta de foco do candidato oposicionista. Testemunhamos, então, nos eventos mais dramáticos da "fulanização" - os debates presidenciais -, um combate clássico entre uma Dona Quaresma representada pelo candidato Alckmin; e um Don Carnaval encarnado pelo candidato Lula. Não era uma versão tupiniquim do famoso quadro de Brüegel o Velho. Era mais uma versão de nosso velho e inquietante mulatismo político que acaba sempre combinando o pior do que pretende superar. No regime de Vargas, o personalismo que - como dizia Oliveira Vianna - só poderia ser dominado por um "regime forte": um governo impessoal que resistisse aos amigos. Esses "amigos" que retornarão eternamente ao poder, enquanto não politizarmos o papel dos elos pessoais em nossa vida pública. Findo o drama eleitoral, resta desejar do fundo do meu coração ao eleito que ele resista às tentações das fórmulas feitas que eu já vejo circulando em sua volta. Mas há, sem dúvida, sinais positivos no ar. O primeiro foi que, na sua primeira aparição como presidente reeleito, Lula não falou aos "companheiros do PT", mas a todos os brasileiros. Depois, porque o PSDB e, com ele, um líder autenticamente liberal e igualitário como FHC jamais fariam um movimento "Fora Lula!" como fez o PT quando da reeleição de Fernando Henrique. Como gosta de dizer o professor Moneygrand: a grande mudança se esconde nos pequenos gestos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, novembro 01, 2006
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