Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Por que eles impedem o desenvolvimento do Brasil

Vai sumir pelo ralo...

Lula promete rigor nas contas públicas,
mas os gastos avançam bem mais rápido
que a geração de riquezas e roubam
o potencial de desenvolvimento do país


Giuliano Guandalini



Mais uma vez coube ao presidente Lula apagar o incêndio dos aloprados e restabelecer a razão. Com a vitória assegurada, petistas não se contiveram. Saíram dizendo que o segundo mandato será marcado pelo fim do rigor "exagerado" com as contas públicas e um combate menos "neurótico" à inflação. A saraivada de besteiras começou ainda na noite do domingo. Tarso Genro, ministro das Relações Institucionais de Lula, afirmou que o ex-ministro Antonio Palocci teve um importante papel na estabilização, mas que as preocupações "neuróticas" com a inflação sairiam de cena. "Acabou a era Palocci", disse Genro. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, seguiu a toada. Declarou que os juros cairiam e haveria um crescimento de 5% ao ano – só não revelou como a mágica se processaria. O falatório dos ministros lançou dúvidas a respeito da seriedade na condução da economia. Na segunda-feira, os investidores reagiram mal. Ainda na segunda, Lula desautorizou Genro e Mantega. Nas entrevistas que deu como presidente reeleito, defendeu o controle inflacionário e o respeito ao equilíbrio da contabilidade governamental (veja reportagem).

Paulo Liebert/AE
Impostômetro, em São Paulo: mais de 2 bilhões de reais por dia em tributos

Como sempre, a intervenção de Lula para conter as maluquices econômicas do PT é bem-vinda. Mas as boas intenções do presidente se assentam sobre uma grande fragilidade tectônica: o aumento desenfreado de gastos e a deterioração paulatina das contas públicas. Mesmo com a vigilância de Lula, as despesas crescem num ritmo equivalente a quase o triplo da expansão do PIB. Isso significa que, todo ano, o governo rouba para si uma fatia cada vez mais gorda da economia. Como resumiu o economista Delfim Netto, em artigo publicado pelo jornal Valor Econômico: "Não é preciso ser um competente físico quântico nem um brilhante economista para saber que um país onde o PIB cresce à taxa de 2,4% ao ano e as despesas a 6% terá o destino de Plutão: será excluído da geografia!". Delfim tem toda a razão. O Brasil corre o sério risco de ser varrido para fora do mapa do progresso econômico. O descompasso entre a criação de riquezas e o ralo governamental é insustentável. Em 2000, as despesas da máquina (sem considerar gastos com juros) somaram 174 bilhões de reais. Em 2005, a conta atingiu 352 bilhões de reais, um salto de 103% em cinco anos, enquanto o PIB cresceu 76% no mesmo período. Para financiar a gastança, o governo não teve dúvidas: aumentou os impostos. Nesses cinco anos, a arrecadação federal engordou 108%. Em suma, as pessoas e as empresas pagaram a conta. Palocci até que conseguiu impedir um desajuste ainda maior. Mas, desde que ele deixou o comando da economia, em março, a Fazenda passou a dar sucessivos sinais de leniência. Há alguns meses, por exemplo, o governo lançou a idéia de incluir no Orçamento de 2007 um dispositivo que estabeleceria um corte, ainda que tímido, nos gastos da máquina. Esse redutor foi simplesmente ignorado na proposta orçamentária encaminhada ao Congresso, que, ao contrário, prevê mais um ano de aumento das despesas – e dos tributos. A Fazenda também passou a ceder às pressões de vários lobbies anteriormente barrados por Palocci e sua equipe. Entre outras concessões perigosas, foi acatado um velho pleito de entidades empresariais que pressionavam pela queda irresponsável dos juros cobrados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A taxa básica desse banco oficial, que financia sobretudo grandes empresas, recuou para 6,85% ao ano, o nível mais baixo da história. Nada contra juros baixos, desde que seja um negócio entre empresas e bancos privados. É preciso tomar muito cuidado quando instituições oficiais estão envolvidas. Não só porque o custo é pago pela população. Esses juros artificialmente baixos reduzem a eficácia da política monetária e obrigam o Banco Central a impor juros mais altos para o resto da economia. Por esse motivo, Joaquim Levy, secretário do Tesouro na época de Palocci, era um ferrenho opositor à redução dessa taxa.

Um estudo do economista Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico Economia Política, listou outros precedentes perigosos da atual equipe econômica:

SUPERESTIMAR RECEITAS

O governo prevê uma arrecadação muito acima do razoável e assim projeta gastos superiores aos que poderia fazer se seguisse parâmetros conservadores. Como isso ocorre? Em primeiro lugar, o crescimento econômico é superestimado – para 2006, previa-se uma expansão de 4,5%, quando a economia não crescerá mais que 3%. Além disso, em 2006, pela primeira vez, o governo incluiu no Orçamento a estimativa de arrecadação com receitas extraordinárias. Mas esses recursos são imprevisíveis, dependem de decisões judiciais.

SUPERÁVIT MAIS FRÁGIL

Os bancos públicos nunca pagaram tantos dividendos (participação nos lucros) ao governo. Em 2005, esses recursos responderam por 9% do superávit fiscal do governo federal e, em 2006, segundo Marinis, o porcentual chegará a 22%. Sem esse dinheiro, dificilmente o governo conseguiria alcançar sua meta de economizar o equivalente a 4,25% do PIB. Isso traz três problemas:

1) os bancos deixam de investir e, a médio prazo, provavelmente terão de ser socorridos;

2) para obter mais dividendos e gastar ainda mais, o governo está inflando artificialmente os lucros dos bancos oficiais;

3) sabendo que seus gastos serão cobertos por dividendos, o Estado tem espaço para gastar ainda mais e deixa de controlar suas despesas.

FUNCIONALISMO INCHADO

Em 2002, havia 810.000 funcionários federais na ativa. Agora o número se aproxima de 900 000. O funcionalismo está inchando. Sem falar nos aumentos acima da inflação concedidos aos servidores. Num país como a Argentina, o funcionalismo equivale a 2% do PIB do país. No Brasil, chegou a 5% e tende a crescer.

CElso Junior /AE
Palocci ao lado do ex-secretário Marcos Lisboa: contas públicas pioraram desde que os dois deixaram o governo

REAJUSTE REAL AOS APOSENTADOS

As aposentadorias têm sido reajustadas acima da inflação, o que amplia ainda mais o ralo da Previdência. Em 2006, o déficit passará de 40 bilhões de reais. No Brasil, os benefícios previdenciários equivalem a 60% da renda per capita. Nos outros países, 48%.

Esses fatores lançam dúvidas sobre a seriedade na condução da economia. VEJA conversou com ex-integrantes do governo. Todos se mostraram receosos quanto às perspectivas. Um deles revelou-se extremamente preocupado com a má administração dos bancos públicos, especialmente da Caixa Econômica Federal, que, muito em breve, deverá passar por uma nova capitalização – bancada, obviamente, pelo dinheiro do contribuinte.

A equipe de Palocci possuía técnicos e formuladores de excelente qualidade, como Joaquim Levy, Marcos Lisboa e Murilo Portugal, nenhum deles ligado ao PT. Foram esses economistas que, ironicamente, estabeleceram as políticas mais bem-sucedidas do governo Lula. Entre elas, a adoção de novos instrumentos de estímulo ao crédito, a unificação dos programas de assistência social sob o guarda-chuva do Bolsa Família e o que Tarso Genro chama de "neurose" com o controle inflacionário. Já as propostas dos petistas – como o Primeiro Emprego e o Fome Zero – revelaram-se grandes fracassos. Fica evidente a injustiça de Genro e Mantega: Lula deve a Palocci e a sua equipe os seus maiores trunfos eleitorais. É muita ingratidão.

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