Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 18, 2006

Populismo e irrelevância no cenário mundial

A nova África?

Avanço do populismo e falta de crescimento
diminuem a importância da América Latina


Diogo Schelp

Quando estudou em Paris, nos anos 60, o escritor argentino Marcos Aguinis conviveu com muitos estudantes africanos. O continente vivia então um período de efervescência decorrente do fim do colonialismo, e muitos desses jovens – contou Aguinis num artigo recente – estavam interessados em estudar a história da América Latina para não repetir seus erros. Infelizmente, os países africanos não apenas replicaram descaminhos alheios como pioraram a situação com barbaridades autóctones. O escritor lembrou de seus antigos colegas porque, no seu entender, "a América Latina e a África estão irmanadas na tendência de ser cada vez mais pobres em comparação com o restante do mundo e em desperdiçar suas energias atribuindo ao exterior a culpa por seus problemas". Esse comentário engendra uma questão urgente: pode a América Latina estar seguindo o caminho africano em direção à irrelevância global? A resposta é sim, ainda que a comparação com a África deva ser tomada em termos.

O conceito América Latina designa um grupo heterogêneo de países, de gigantes econômicos, como o Brasil, a pigmeus como a Nicarágua. Exceto no Haiti, não se vêem entre eles o caos e a miséria predominantes na África. O venezuelano Moisés Naím, editor-chefe da revista Foreign Policy, publicada nos Estados Unidos, escreveu a respeito disso que "a América Latina não compete no cenário mundial em nenhum aspecto, nem mesmo como ameaça". Diferentemente dos inimigos dos Estados Unidos em outros lugares, observa Naím, os latino-americanos não estão sequer dispostos a dar a vida em nome do antiamericanismo. A realidade é que, em comparação aos grandes mercados emergentes, como a China e a Índia, a América Latina é um concorrente menor, cuja importância global declina (veja o quadro abaixo).

O atraso latino-americano ganhou, nos últimos anos, um reforço da opção política por modelos de desenvolvimento que já fracassaram no passado. Em graus variados, o populismo econômico retornou à ordem do dia e agora dá as cartas da Argentina à Nicarágua. Em toda parte, um discurso mais ou menos esquerdista serve para camuflar a constituição de regimes autoritários. Na Bolívia, a nação mais pobre da América do Sul, o governo empenha-se em expulsar os investidores estrangeiros. Na Venezuela, em lugar de usar o dinheiro do petróleo para criar empregos, Hugo Chávez optou pelo assistencialismo. Depois da década perdida dos anos 80, com crescimentos baixos e hiperinflação, apostou-se que as reformas liberais da década de 90 podiam colocar a América Latina no rumo do crescimento e da diminuição da pobreza. As reformas, no entanto, foram incompletas. "O Estado continuou grande e ineficiente, e não se investiu em educação básica", disse a VEJA o peruano Carlos Aquino Rodríguez, do Centro de Estudos Orientais da PUC, em Lima. Nesses quesitos reside uma diferença profunda entre a América Latina e a Ásia. Entre os latino-americanos, prevalece a idéia de que a solução para seus problemas reside no capital físico (petróleo, gás, cimento e minérios) de seus países. Presidentes populistas valem-se dessa crença para manipular as esperanças da população. Já na Ásia, onde os recursos naturais são mais escassos, o foco é no capital humano – a educação, fundamental para melhorar a produtividade, é a prioridade. "Na América Latina, os debates ideológicos tornam muito difícil encontrar uma visão comum sobre o que é preciso fazer, como priorizar a educação e atrair investimentos externos", disse a VEJA o vice-presidente da Colômbia, Francisco Santos Calderón.

David Mercado/Reuters
Em Montevidéu, os ícones da esquerda latino-americana: nem todos são iguais

O peruano Alvaro Vargas Llosa, do Instituto Independente em Washington, aponta três razões para a crescente falta de importância da América Latina. A primeira explicação é externa: os grandes temas que preocupam o mundo, como o papel determinante reservado à China neste novo século e a luta contra o fundamentalismo islâmico, não envolvem diretamente a América Latina. As outras duas razões estão ligadas a fatores internos. O primeiro é o desempenho econômico modesto. Nas últimas três décadas, a economia latino-americana cresceu 2,8% ao ano, contra 3,3% da média mundial e 7,7% da Ásia. O segundo fator doméstico é a incapacidade da elite pensante de definir um rumo para seus países. "Ainda perdemos tempo debatendo questões básicas, como o tipo de relação que queremos ter com o mundo desenvolvido, o que fazer com nossas instituições políticas e que modelo de desenvolvimento devemos adotar", disse Vargas Llosa a VEJA. Esse debate já foi encerrado nos países emergentes da Ásia. Eles optaram pela democracia, pela economia de mercado, por aumentar a produtividade e a competividade de sua indústria e, sobretudo, pela integração à economia global.

Há 25 anos, a América Latina recebia o dobro dos investimentos externos em comparação com os países emergentes da Ásia. Hoje essa situação se inverteu. A América Latina passou a depender muito mais das remessas enviadas pelos trabalhadores que exporta para os países ricos (veja quadro). Tradicionalmente, a América Latina é o quintal dos Estados Unidos. Em momentos de crise política ou econômica, os americanos costumavam interferir nos assuntos internos dos países da região. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, nem isso. Por fim, as calamidades da região também não são páreo para aquelas que ocorrem na África e, por isso, nem sequer despertam a compaixão de roqueiros irlandeses. Duas décadas atrás, a América Latina tinha certa relevância geopolítica porque, pela matemática da Guerra Fria, cada país que caía na esfera de influência do inimigo era uma batalha perdida. A Revolução Cubana e as guerrilhas de esquerda deram à região destaque no conflito entre o capitalismo e o comunismo. Na década de 90, com o fim das ditaduras na maioria dos países latino-americanos e com o início das reformas liberais que incluíam privatizações e abertura de mercado, o continente pareceu destinado a se tornar um lugar atraente para negócios e investimentos. Esse interesse definhou em quase toda parte, ainda que alguns países – em especial Brasil, México, Chile e Costa Rica – tenham melhor desempenho na medida de seu grau de integração à economia global. A irrelevância tem um preço: se o continente afundar de vez na anarquia econômica e social, nenhum país rico se incomodará em oferecer ajuda.


Com reportagem de Denise Dweck e Thomaz Favaro

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