Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

As freiras de Páginas da Vida

O Diderot do Leblon

As freiras de Páginas da Vida são pecadoras:
uma é vilã, a outra tem desejos carnais


Marcelo Marthe

Fotos divulgação
Irmã Má (à esq.) e Lavínia: com tantos desvios, haja pedras para se ajoelhar

Numa cena que deverá ser exibida nesta semana na novela Páginas da Vida, o médico Diogo (Marcos Paulo) entrega à noviça Lavínia (Letícia Sabatella) um suvenir incômodo: um envelope que contém fotos dos tempos em que ambos eram namorados. Para azar da freirinha, que foge de seu passado como o diabo da cruz, tudo é observado por sua superiora, a implacável Irmã Maria (Marly Bueno) – que não tardará a vasculhar seus pertences para desmascará-la. A seqüência não deixa dúvidas: apesar do hábito, as irmãs que gerem o hospital fictício da trama de Manoel Carlos são pecadoras rematadas. Como o noveleiro deixa escancarado no apelido de "Irmã Má", que lhe aplicam os outros personagens da novela, a diretora do hospital é uma vilã. Materialista, ela já ameaçou pôr na rua pacientes que não pagaram a conta adiantado. Insensível, ficou tiririca da vida quando Lavínia pôs-se a declamar poesia "pagã" para uma moribunda. E em breve tentará impedir que um paciente com aids seja atendido na instituição. Já a outra personagem luta contra os apelos da carne. Lavínia oculta o fato de que teve um filho e ainda sente atração por Diogo – mesmo que se ajoelhe sobre pedras para penitenciar-se da tentação. Mas a coisa vai esquentar mesmo é quando o tal soropositivo surgir: apaixonada pelo doente, Lavínia chegará a abrigá-lo em sua cela.

Abordar a vida das freiras por um ângulo negativo não é nenhuma novidade. O iluminismo, por exemplo, tinha uma vertente radicalmente anticlerical, que aparece nas obras de Voltaire e Diderot. Este último é autor do clássico A Religiosa, que escandalizou a França do século XVIII ao narrar a história de uma jovem que vai para o convento contra sua vontade. A heroína é vítima de toda sorte de barbaridades. Num dos locais em que é internada, a superiora alterna castigos físicos e investidas lésbicas para cima dela. As madres retratadas no livro, aliás, serviram de inspiração para Marly Bueno.

Manoel Carlos, vale lembrar, sempre deu suas cutucadas na Igreja Católica. Em 2000, o então cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, proibiu a Globo de gravar numa igreja de verdade o casamento de uma personagem grávida de Laços de Família. "Pelo que sei, continuam mantendo essa proibição, pelo menos para as minhas novelas", diz o autor. Em Mulheres Apaixonadas, de 2003, havia a história de um padre que largava a batina depois de sucumbir a um rabo-de-saia. No caso das freiras de Páginas da Vida, o noveleiro garante que não inventou nada que vá contra a realidade. Manoel Carlos afirma que se ajoelhou muito em grãos de milho e em pedras quando estudava num colégio de padres no interior paulista. Na mesma localidade, teria conhecido a superiora de uma escola de freiras que também tinha o epíteto de Irmã Má – da qual extraiu sua personagem. "Ela era capaz de coisas muito piores do que eu estou disposto a colocar na novela", afirma o Diderot do Leblon.

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