A comunidade Second Life prospera
e já tem 1,5 milhão de "habitantes"
Marcelo Bortoloti
Fabiano Accorsi |
Caique Severo e Carlos Spark, sua imagem virtual: cada um cria sua segunda vida |
A chinesa Ailin Graef, de 33 anos, mora na Alemanha e é dona de uma construtora que fatura 2,5 milhões de dólares por ano. Sua companhia já concluiu mais de 10.000 empreendimentos sem usar um único tijolo. Tudo o que ela produz, com exceção do lucro, pertence à realidade virtual. Ailin é uma magnata do Second Life, comunidade que virou febre na internet simulando um mundo paralelo em três dimensões criado pela empresa americana Linden Lab em 2003. O programa permite que o usuário faça uma representação digital de si mesmo (um avatar, portanto) que pode caminhar pela praça, fazer amigos, comprar carros de luxo, trabalhar e ganhar dinheiro. Ailin, cujo nome virtual é Anshe Chung, é uma águia dos negócios imobiliários. Ela compra terrenos virtuais vazios, constrói belas mansões em 3D, finca árvores e traça um rio no quintal. Feita a reforma, revende a "propriedade" pelo dobro do preço.
Bobagem? Pode ser, mas graças a sua "construtora virtual" Ailin, a de carne e osso, já tem 23 funcionários contratados para fazer as reformas virtuais e revender as imagens para outros integrantes da comunidade Second Life. Ailin é um caso raro. Ela conseguiu que lhe pagassem dinheiro de verdade por casas, terrenos e rios virtuais. Sim, há quem pague por isso. O Second Life é uma invenção do programador americano Philip Rosedale. Sua sacada foi criar um mundo virtual para ser colonizado livremente, com moeda própria, regras básicas de conduta parecidas com as da vida real e ferramentas para que o usuário construa ou comercialize absolutamente de tudo. Desde o início, o jogo foi recebido com entusiasmo pela crítica, mas somente nos últimos meses virou sucesso de público – saltou de 500.000 usuários, em agosto, para 1,5 milhão neste mês. Cada morador compra lindens, a moeda imaginária, com seu cartão de crédito real. Lá dentro, as transações são feitas com essa moeda, e quem ganha alguma coisa pode trocá-la de volta no fim do dia. Seus lindens viram dólares de novo, creditados no cartão dos usuários superavitários. Ah...no mundo de Second Life o câmbio é bem desvalorizado (pelo menos lá, não é, senhores exportadores?). Um dólar vale aproximadamente 274 lindens. A empresa que guarda o dinheiro de verdade garante que possui lastro em dólares de todos os lindens. Diariamente os jogadores fazem mudar de mãos cerca de 170 milhões de lindens – algo em torno de 600.000 dólares. A Linden Lab ganha dinheiro vendendo terrenos virtuais vazios. Um pedaço de "terra" com 65.000 metros quadrados dentro da escala do jogo custa 1.625 dólares, mais impostos de 195 dólares por mês. Terrenos de frente para o mar ou em regiões badaladas valem mais. E a procura não é pequena.
Reuters |
O avatar da cantora Suzanne Vega durante um show virtual (à esq.). À direita, Adam Pasick, nome verdadeiro do repórter digital Adam Reuters |
Lá dentro, os usuários já construíram butiques, casas de jogos, boates, resorts, bancos para emprestar lindens a juros, e podem vender objetos que eles mesmos fabricam ou cobrar por serviços prestados. Cada usuário "nasce" na forma de um boneco que inicialmente não tem muitas qualidades, mas pode comprar um par de olhos azuis, cabelo loiro, roupas transadas, músculos ou mesmo um bronzeado. Um poodle virtual custa 1,30 dólar, um caminhão pode chegar a 2,50 dólares. "É uma representação virtual, e as pessoas querem parecer mais atrativas ou usar algo que expresse sua personalidade", diz Caique Severo, jornalista e habitante do Second Life (onde atende pelo nome de Carlos Spark). Estão à venda órgãos genitais e aprimoramentos que permitem ao avatar realizar movimentos sexuais. Em points badalados, como a Amsterdã virtual, prostitutas cobram por hora de trabalho.
A fama da comunidade começou a chamar a atenção de empresas de verdade, que descobriram no jogo um palco interessante para ações de marketing. Em setembro, a Adidas criou uma loja virtual para divulgar uma nova linha de tênis. Toyota, Sony, IBM e outras fizeram o mesmo. A agência de notícias Reuters construiu sua redação virtual, com um jornalista exclusivo para cobrir os acontecimentos da comunidade. Na mesma linha, a Endemol, produtora do Big Brother, vai promover uma versão digital do reality show, com quinze participantes que deverão passar oito horas por dia numa casa fechada – e seus equivalentes humanos, claro, também presos em frente ao computador.
Cerca de 5% das pessoas presentes no Second Life são brasileiras. Para aumentar essa participação, a empresa Kaizen Corp, do interior de São Paulo, está criando um acesso em português para a comunidade, com instruções na nossa língua e compras em real. Em dezembro será lançado um novo continente no jogo, a América do Sul, com paisagens brasileiras como Pão de Açúcar, Praia de Copacabana e Parque do Ibirapuera. Quem vai administrar o dinheiro é a Linden Lab, nos Estados Unidos. "O Brasil vai produzir uma explosão no Second Life. Em seis meses seremos a população majoritária", prevê Jorge Filho, diretor de marketing da empresa. Além de usuários do Brasil, a expectativa é receber turistas e investidores estrangeiros. Diz Jorge Filho: "Vai ter gente se matando por um terreno em Copacabana".
A REGRA DO JOGO
O que é
O Second Life é uma comunidade na internet que simula o mundo real em que as pessoas vivem uma segunda existência
Como funciona
O usuário que entra no programa ganha uma representação digital de si mesmo, que pode caminhar, andar de carro, fazer amigos, ir a um show, comprar bens ou arrumar um emprego virtual
Dinheiro
A moeda é o linden dólar, que pode ser comprado com cartão de crédito. Lá dentro, os moradores fazem negócios uns com os outros, e quem tem lucro pode trocá-lo por dinheiro de verdade
Conduta
Um morador não pode roubar, agredir nem praticar nenhum tipo de discriminação contra outro morador
População
A comunidade tem hoje 1,5 milhão de habitantes, dos quais 5% são brasileiros