Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 08, 2006

O Proer E os banqueiros falidos


Editorial
O Estado de S. Paulo
8/11/2006

As dificuldades que o Banco Central (BC) vem enfrentando para concluir os processos de liquidação extrajudicial de cerca de dez bancos comerciais por ele fechados, na década de 90, mostram o quanto o poder público ainda está desaparelhado, do ponto de vista jurídico, para garantir a segurança do sistema financeiro e zelar pelos direitos dos depositantes e investidores. O problema mais recente foi a polêmica decisão da Justiça baiana, que autorizou o desbloqueio dos bens dos antigos controladores do Banco Econômico.

A intervenção no Econômico ocorreu em agosto de 1995, quando seu patrimônio líquido estava negativo em R$ 1,8 bilhão. Como, meses antes, o BC havia sido obrigado a promover a liquidação extrajudicial do Banco São Jorge, do Banco Mercantil de Pernambuco e do Banco Nacional, havia o receio de que uma nova quebra deflagrasse uma corrida bancária, comprometendo a saúde de todo o setor financeiro. Para afastar esse risco e reduzir a tensão reinante no mercado, as autoridades monetárias lançaram, três meses depois, o Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer).

Em termos de fortalecimento do setor, a iniciativa do BC, para evitar o chamado “risco sistêmico” das instituições financeiras, deu certo. Mas a intervenção no Banco Econômico, que não está concluída até hoje, vem sofrendo uma surpreendente reviravolta. O desbloqueio dos bens dos controladores é só um dos aspectos da questão. O outro é a discussão judicial relativa ao índice de correção monetária a ser aplicado no cálculo da dívida do banco com o Proer.

Dependendo do índice utilizado, a dívida do antigo Econômico com o BC pode oscilar entre R$ 9,5 bilhões e R$ 17,7 bilhões. A diferença é muito grande. No primeiro caso, o patrimônio do banco fica positivo, e seus controladores teriam uma vultosa quantia para receber. No segundo caso, o patrimônio fica negativo em mais de R$ 8 bilhões e os bens dos controladores não são suficientes para cobrir o rombo bancado pelo BC, por meio do Proer. É por isso que as autoridades monetárias resistiram à liberação judicial dos bens, que foram bloqueados há 11 anos, a pedido do Ministério Público estadual, com o objetivo de resguardar os direitos dos que foram prejudicados pela insolvência do Econômico.

Surpreendentemente, no entanto, os promotores mudaram de opinião e agora solicitaram a liberação dos bens. Não menos surpreendente foi a decisão do juiz da 7ª Vara Cível da Justiça baiana, que acatou o pedido e extinguiu o processo sem julgamento de mérito. E, como o Ministério Público estadual concordou com esta decisão, não há mais como recorrer da sentença. O mais espantoso é que, embora o litígio entre o BC e os controladores do antigo Econômico no fundo tenha por objeto recursos federais, envolvendo portanto interesse público, o processo tramitou sob segredo de Justiça. E, por razões que só podem ser debitadas às aberrações da legislação processual, o BC, o principal credor do Econômico, não foi chamado a se pronunciar nesse processo.

Custa crer que o destino de uma ação judicial de relevância nacional possa ser deixado à decisão monocrática de um juiz estadual, por mais sério, preparado e competente que seja. É inadmissível que processos judiciais desse porte, que podem culminar no repasse de bilhões de reais dos contribuintes a banqueiros considerados inabilitados para atuar no sistema financeiro, possam tramitar de modo sigiloso.

Com a derrota das autoridades monetárias na questão do desbloqueio dos bens dos controladores do Econômico, a discussão agora se volta para o índice a ser aplicado na correção da dívida do banco liquidado com o Proer. O BC já anunciou que usará todos os recursos possíveis, nas instâncias superiores do Judiciário, para tentar defender o interesse público e evitar que um programa criado para preservar os clientes do sistema bancário se converta numa vultosa benesse para banqueiros quebrados. Na realidade, o País só estará imune a absurdos como esse quando concluir a modernização das instituições jurídicas e judiciais, um processo que, infelizmente, vem caminhando com excessiva lentidão.

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