A terra, os homens, as cidadesUma bela exposição em São Paulo
traz o Brasil do fim do século XIX
pelas lentes de Marc Ferrez
Felipe Patury
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O Rio visto de Santa Teresa, em 1885: graças a um tempo de exposição muito longo, Ferrez (de calça clara) captou a si mesmo e a um amigo em diferentes momentos |
Boa parte das imagens do Brasil do século XIX que conhecemos foi captada pelas lentes do fotógrafo Marc Ferrez. De 1863 a 1915, Ferrez registrou paisagens urbanas e rurais do Pará ao Rio Grande do Sul. Nesse período, cobriu boa parte do território nacional a serviço da Marinha e da Comissão Geológica do Império. Metade de seu trabalho mostra o Rio de Janeiro. São dele muitos dos primeiros cartões-postais da capital imperial e um dos retratos mais conhecidos do escritor Machado de Assis. Sua obra constitui o mais importante acervo de imagens brasileiro nos primeiros anos da fotografia. Graças ao arquivamento cuidadoso de negativos e reproduções, das 5.500 imagens que ele deixou, 80% estão em perfeitas condições.
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Copacabana, em 1890, vista do Leme: uma visão idílica e totalmente selvagem |
Filho caçula de um escultor francês, Ferrez nasceu no Rio em 1843. Aos 7 anos, ficou órfão. Presume-se que seus pais tenham sido envenenados pelo lixo químico de uma fábrica de papel vizinha à sua casa. Os irmãos de Ferrez o enviaram a Paris, onde foi educado. Aos 20 anos, ele voltou para o Brasil. Nada se conhece do que produziu de 1863 a 1873, quando um incêndio destruiu seu ateliê. O que chegou a nossos dias abrange a quadra que vai de 1875 a 1915, ano em que Ferrez abandona a fotografia e passa a se dedicar a uma nova técnica – a do cinema. Nesse arco de quarenta anos, ele captou cenas que revelam as transformações sociais e econômicas por que passava o Brasil. Na semana passada, o Instituto Moreira Salles, proprietário do legado de Ferrez, e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) inauguraram a maior exposição já realizada sobre sua obra. Nas 350 imagens expostas na sede da Fiesp, percebe-se que Ferrez via o país simultaneamente como um estrangeiro curioso e um brasileiro apaixonado. Fascinavam-no a natureza indômita, os tipos humanos e as cidades que pareciam erguer-se do nada. Seu apuro técnico continua a impressionar. Um dos negativos, de 18 por 24 centímetros, recebeu uma ampliação de 5 por 7 metros. Mesmo assim, a imagem não sofreu nenhuma distorção.
SEM CRISTO, SEM BONDINHO,
SEM FAVELAS NOS MORROS
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As casas da Praia de Botafogo, em 1875, com o Corcovado intocado ao fundo |
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Antigo Cais Pharoux, em 1880, um dos locais preferidos de Machado de Assis. Nove anos depois dessa fotografia, saíram de lá os ferry-boats com os 5 000 convidados para o Baile da Ilha Fiscal, o último do Império |
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Encarapitado no alto dos 710 metros do Corcovado, Ferrez usou uma câmera panorâmica para captar a Enseada de Botafogo, em 1885, quando o Pão de Açúcar ainda estava longe de ter bondinho |
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Praia de Ipanema vista do Arpoador, em 1895. Ao longe, o Morro Dois Irmãos e a Pedra da Gávea |