Artigo - Rubens Barbosa |
O Estado de S. Paulo |
14/11/2006 |
A forma como se desenrolou a campanha da eleição presidencial mostrou que estamos vivendo uma experiência que pode ser considerada verdadeiro divisor de águas em termos da relação entre os partidos políticos e os eleitores. A eleição de 2006 explicitou transformações sensíveis - algumas já ocorridas e outras que se estão processando - na estrutura da sociedade brasileira e para as quais os partidos políticos e os políticos em geral, perplexos, demonstraram não estar sintonizados. Enquanto os partidos políticos continuaram imobilizados, algo de muito profundo e significativo mudou a maneira como essas organizações deverão, daqui para a frente, se organizar para buscar apoio popular nas próximas eleições majoritárias, especialmente a de presidente da República. A sociedade brasileira de hoje é muito diferente da do período dos militares, da de 1989, quando Collor foi eleito, e da dos anos 90, com FHC e o Plano Real: o País modernizou-se, a economia estabilizou-se, a sociedade sofisticou-se e se tornou mais complexa. "O aparecimento de novas redes de entes intermediários, civilmente organizados, distintos do sindicalismo tradicional em seu modo interno de organização, de que são exemplos os sindicatos dos catadores de papéis, uma revisão do modelo tradicional, das ONGs ao condomínio: esses organismos estão mudando a natureza das relações políticas, invertendo pela primeira vez os processos tradicionais de formação de opinião. A opinião afinal dominante não nasceu no cimo da pirâmide social, nem nas classes médias ilustradas ou não, mas na base delas", observa apropriadamente Walder de Góes, em recente análise do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep). Com a emergência silenciosa do povo como ator principal, sem que a classe política compreendesse a extensão das transformações em curso, os fatores que passam a influir na formação da opinião pública estão se alternando rapidamente, forçando, por conseqüência, uma modificação da relação da classe política com os eleitores. As lideranças partidárias perderam seus canais de comunicação com o eleitorado e as formas tradicionais de fazer política estão ficando rapidamente superadas. Os chamados formadores de opinião estão perdendo espaço e emerge com todo o vigor a "força do povo". Há uma despolitização geral, no sentido de que os eleitores não se preocupam ou não prestam atenção a não ser em temas de seu interesse específico, passando à margem da agenda dos partidos políticos e de seus líderes. Os partidos políticos ficaram sem discurso, como se viu na eleição presidencial. Os debates tiveram de tudo, menos uma discussão programática partidária. Nenhum partido político, nem mesmo o PT, entendeu e está acompanhando essa mudança nem procurando se reciclar a partir da nova realidade e das novas demandas. As lideranças partidárias estão distantes das aspirações e dos anseios da sociedade. Todos os partidos, sem exceção, terão de se ajustar e buscar sua própria identidade, em especial a principal legenda da oposição, o PSDB. Sem entender o que está acontecendo, e sem encontrar uma nova base social de apoio (redes, sindicatos, estudantes, ONGs), dificilmente poderão enfrentar o utilitarismo ou o messianismo acima dos partidos. Estamos entrando numa nova etapa da vida política brasileira, caracterizada, entre outros aspectos, pela mudança da agenda e dos meios (internet, blogs) e pela necessidade de uma campanha política permanente, o que exigirá uma nova atitude dos partidos, seja no governo, seja na oposição. Lula, no governo, responsável por essa mudança de agenda, talvez tenha sido o primeiro político a haver intuído essa mudança na sociedade brasileira. A ampliação da rede de segurança social e a transformação dos programas sociais - herdados do governo anterior - nos programas assistencialistas, a política de salário mínimo e outras medidas de transferência de renda, efetivadas nos últimos quatro anos, fizeram Lula - não o PT - se identificar com os anseios desses novos atores. Não podem deixar de ser avaliados atos de grande força simbólica, como o almoço oferecido a catadores de papel do Palácio da Alvorada e o reconhecimento explícito por Lula dessa grande mudança ao dizer, de maneira direta, na noite da reeleição: "O resultado é a vitória dos de baixo contra os de cima", "é o andar de baixo que ganhou do andar de cima", "continuaremos a governar para todos, mas continuaremos a dar mais atenção aos mais necessitados" e "os pobres terão preferência em nosso governo". Mais do que uma afirmação demagógica e populista, essas declarações do presidente reeleito mostram que o relacionamento com os eleitores na campanha vai continuar nas ações do governo por mais quatro anos. Lula está muito à frente de seus pares em termos de percepção das novas realidades políticas e sociais no País. Não se trata apenas de se afirmar como o grande comunicador da política brasileira, mas, sobretudo, de estar na dianteira em termos de sintonia fina com os anseios da maioria da população. A grande interrogação que fica é a identificação das conseqüências dessas profundas transformações. Como reagirá o Congresso às reformas políticas anunciadas como prioridade para o novo mandato? Qual seu conteúdo? Como se posicionarão os partidos políticos diante de uma liderança alicerçada na compreensão de que o povo, os eleitores mais pobres, é a base de sua sustentação? Estamos no umbral de um grande avanço democrático com o povo, representado por seus setores organizados, como ator principal, ou no estágio inicial de um neopresidencialismo, com poderes presidenciais ampliados por novas regras, inclusive no tocante ao fim da reeleição, abrindo a porta para um terceiro mandato? |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, novembro 14, 2006
A nova realidade que emerge das urnas
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