Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 15, 2006

Miriam Leitão Velho dilema

O presidente Lula não gostou do que ouviu na reunião de ontem e expressou isso. Disse que achou as propostas apresentadas pelos seus ministros da área econômica tímidas e de efeito lento. Ele quer crescer o mais rapidamente possível, quer aumentar o ritmo do PIB já no ano que vem. Esse é um velho dilema que visita os presidentes brasileiros há algumas décadas.

O ministro Guido Mantega fez uma preparação para a reunião de ontem com o presidente em encontros com a equipe na sexta-feira e no domingo. Foi ao Palácio nesta terça-feira com seus principais assessores: Carlos Kawall, do Tesouro; Jorge Rachid, da Receita, os secretários Júlio Gomes de Almeida e Bernard Appy. O ministro Paulo Bernardo foi com o secretário-geral. A ministra Dilma Rousseff estava lá, claro. O ministro Furlan mandou técnicos do ministério. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também foi.

A equipe da Fazenda apresentou ao presidente uma lista longa do que poderia ser feito em termos de desoneração e corte de gastos, mas, no geral, informou que se podem fazer desonerações pontuais, como tem sido feito, ou medidas mais ousadas, como uma verdadeira reforma tributária com unificação do ICMS, solução definitiva para a Lei Kandir — que foi, de fato, uma forma temporária de ressarcir os estados pela perda de receita na desoneração das exportações — uma queda da alíquota da CPMF. Tudo isso dentro de um contexto de corte de gastos. Vários falaram do grupo. Guido Mantega e Bernard Appy falaram mais. Kawall, menos.

Onde cortar? É sempre um exercício doloroso, e a proposta é estabelecer um percentual para redução dos gastos de pessoal; pôr um teto nas despesas de saúde que, por lei, têm que crescer anualmente e já estão tomando espaço de outras despesas. No corte, havia várias sugestões, mas uma delas é a de fixar um percentual de aumento de gastos de custeio e pessoal menor que o crescimento do PIB, o que faria o total cair como percentual do PIB. Nada disso tem efeito de curto prazo. O presidente quer pressa e disse que uma das coisas que pensa é em reduzir impostos pagos no investimento para alavancar investimentos. Avisou que não quer corte de despesas com educação.

O ministro Paulo Bernardo falou que, para aumentar o investimento privado, é preciso haver clareza na regulação. Os empresários reclamam uma regulação mais clara para investir.

O delicado assunto da redução dos juros — e o ganho que isso traria — foi tocado, mas embutido dentro do raciocínio geral. Não houve um debate sobre redução dos juros.

Quando a conversa se aproximou do assunto Reforma da Previdência, o presidente disse que não iria discutir o tema naquela reunião. Quer conversar com o ministro Nelson Machado presente. Ao fim, disse que esses cortes de gastos propostos não garantem o crescimento e repetiu que tudo era muito tímido.

O presidente Lula está na mesma situação de outros presidentes de antes dele. Reúne sua equipe, pede medidas para crescimento e $que terá que fazer ajustes, reformas, tomar medidas amargas que, no futuro, poderão ter algum resultado. No passado, já foi conhecido como dilema entre o "pé na tábua" ou "devagar com o andor". Para encurtar a conversa, é bom lembrar que os outros presidentes que optaram pelo caminho de buscar medidas de efeito mais imediato para o país crescer deram com os burros n’água. Não há milagres em economia.

O presidente João Figueiredo, em 1979, não gostou quando o ministro Mário Henrique Simonsen avisou que seria necessário fazer o ajuste externo porque uma crise internacional se avizinhava. Simonsen saiu. O então ministro da Agricultura, Delfim Netto, foi para o Planejamento. Os empresários comemoraram o que imaginavam ser a volta do milagre econômico, e o país entrou em recessão por três anos, tendo que fazer duas maxidesvalorizações para enfrentar os efeitos da crise externa. No fim de 1986, o então presidente José Sarney fez uma reunião com a equipe econômica em Carajás. Lá os economistas que tinham feito o Plano Real disseram que era preciso cortar gastos. Ele preferiu ouvir o grupo que dizia que era possível espichar mais um pouco o milagre do Cruzado. E a inflação voltou de forma explosiva.

Agora, o que foi apresentado ao presidente Lula, na reunião de quase quatro horas, foi uma lista de alternativas que podem ser feitas com seus efeitos e contra-indicações. Mas o movimento foi o mesmo: ele prefere alguma coisa que garanta o crescimento de forma mais imediata para que possa iniciar seu segundo mandato com o pé na tábua.

No mercado, a avaliação foi de que tudo é muito incipiente. Os economistas Raul Velloso e Luís Fernando Lopes chamaram a atenção para o fato de que o redutor das despesas existe já na LDO de 2007, que ainda não foi votada (era de 0,1% do PIB). Anteriormente, havia sido estabelecido um teto de 17% do PIB para a receita líquida do governo federal. Uma forma de travar o aumento da carga. Não deu certo.

Raul Velloso disse que, se querem cortar 0,2% do PIB através do redutor, isso acabaria tendo que ser feito com tesouradas no investimento, o que representaria um corte de 40% no já pouco que sobra para investimento. Mas não é isso que o governo está pensando. Luís Fernando também acha que, sem medida específica, falar em corte de gastos "é só perfumaria". Paulo Levy, diretor do Ipea, acredita que o redutor só tem como funcionar se for incluído na hora do Orçamento, já deixando explícito de onde fazer a redução.

A conversa ainda está no começo. Um participante resumiu a conversa no Palácio dizendo que foi "a primeira parte da primeira reunião sobre o assunto".

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