Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 21, 2006

Mutirão pelo retrocesso


Editorial
O Estado de S. Paulo
21/11/2006

A prática do mutirão se originou do esforço coletivo para auxiliar um dos membros da comunidade envolvida - mais comum nas comunidades rurais -, mas chegou ao espaço público como evento de trabalho concentrado, liderado ou incentivado pela Administração, para a solução de problemas acumulados. Antes, por exemplo, era a festa para a construção, num domingo, de um celeiro; depois passou a ser o esforço concentrado de combate a epidemias, de aceleração de processos judiciais, de construção de casas populares e solução “por atacado” de inúmeras lacunas sociais. Neste sentido se entenderia a iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - a de há muito famigerada CNBB - de promover uma Semana Social, tendo em vista a criação de um “Mutirão por um Novo Brasil”. Só que, pelos conteúdos e conclusões produzidos pela entidade em Brasília, mais apropriado seria designá-lo por “Mutirão por um Brasil Velho” - ou, com mais precisão ainda, “Mutirão pelo Retrocesso”.

As linhas de força ideológicas que se entrecruzaram no conclave da cúpula brasileira da Igreja Católica mais pareciam expressões das velhas bandeiras das alas radicais da esquerda cabocla - do tipo “Libelu” ou “PSTU” -, tão desgarradas da realidade contemporânea quanto seria a hipotética defesa, hoje, do Muro de Berlim. A chamada 4ª Semana Social Brasileira da CNBB teve o gosto de um rançoso déjà vu político-ideológico, nutrido apenas de envelhecidos e superados chavões, que estiveram em voga na década dos 50 do século passado.

Rever a privatização da Vale do Rio Doce, fazer uma auditoria da dívida externa e incentivar a comunicação alternativa para “diminuir a influência negativa dos grandes meios de comunicação social” foram alguns dos pontos principais da carta de encerramento do simpósio, elaborada sob a forte (?!) influência dos “movimentos populares” ligados à Igreja Católica “deste país”.

A revisão das privatizações - notadamente a daquela que mais tem gerado inquestionáveis benefícios à economia e ao desenvolvimento do País, como a Vale do Rio Doce - é jargão nacionalisteiro sem correspondência alguma com as necessidades reais de crescimento econômico da sociedade brasileira, que depende, isso sim, da capacidade do Estado de canalizar os recursos públicos para serviços essenciais - como educação, saúde, segurança, saneamento e infra-estrutura.

Quanto à “dívida externa”, trata-se de ignorância crassa, sendo hoje uma das proezas mais alardeadas por Lula a sua redução à insignificância. A dívida que atormenta o governo é a interna, cujos principais credores são brasileiros.

O incentivo à “comunicação alternativa” para “diminuir a influência negativa dos grandes meios de comunicação social” não deixa de aproximar-se de algumas discutíveis idéias esboçadas no programa do partido do presidente Lula - e reiteradas em pronunciamento seu, já reeleito. Aí temos, de um lado, a velha tentativa de manipulação da imprensa pelo favorecimento a “concorrentes” - via publicidade oficial - mais “afinados” com o governo. E, de outro lado, a intenção de censura à liberdade de expressão, propriamente dita, que deita raízes nos piores períodos de autoritarismo de nossa história republicana - algo que a sociedade brasileira hoje repudia com a mesma força com que nossa Constituição garante essa liberdade.

Mas há outros tópicos “reivindicados” por alguns dos “movimentos sociais” - e abrigados no simpósio da CNBB - que resvalam em ridículo, como se se pretendesse passar o recibo de que o Brasil é o país da piada feita. Tome-se como exemplo a “reivindicação” do famoso líder do MST, João Pedro Stédile, de nada menos do que a participação do seu movimento no Conselho de Política Monetária - que decide sobre a taxa básica de juros - e no Conselho Monetário Nacional. Só faltou reivindicar um Ministério da área econômica para a entidade internacional sua coirmã, a Via Campesina. Realmente, ao vermos a energia despendida pela Igreja Católica em reuniões dessa espécie, entendemos melhor por que vão crescendo - e enriquecendo cada vez mais - os movimentos pentecostais.

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