Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 09, 2006

Míriam Leitão - Novos tempos


Panorama Econômico
O Globo
9/11/2006

A deputada Nancy Pelosi, a nova speaker da Casa de Representantes dos Estados Unidos, o equivalente a presidente da Câmara dos Deputados, surgiu ontem como a grande vencedora das eleições americanas, e sua declaração foi clara: "A campanha terminou. Os democratas estão prontos para liderar, preparados para governar, vamos trabalhar com a administração em parceria, não com partidarismo." Muitas das virtudes da democracia americana estavam nessa declaração.

A idéia de que a apuração da eleição conclui a campanha e marca o início de uma nova divisão de forças políticas. A realidade de que, apesar de o chefe do Executivo ser muito poderoso, o Legislativo é o poder que contrabalança, e não uma força subordinada. A de que a oposição fortalecida nas urnas tem uma atitude de parceria, mas jamais de adesão. A queda do todo-poderoso secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, mostra a importância da eleição.

Nancy Pelosi, uma mulher que conseguiu conciliar a carreira política com o trabalho de mãe de cinco filhos, será testada numa posição de imenso destaque. A Câmara tem influência e discute políticas públicas que estão em xeque nesta etapa final do segundo governo Bush: a desgastante guerra no Iraque, os gastos públicos excessivos, a política ambiental refratária a todo o esforço ambientalista. O eleitorado também fez um voto contra os escândalos de corrupção e isso será, já avisou a nova presidente, investigado pela Câmara.

As peças estão se mexendo para 2008, quando se decidirá a eleição presidencial. O presidente George Bush caminhará rapidamente agora para o declínio do seu poder, será um lame duck, um presidente fraco, porque o Partido Republicano perdeu o controle da Câmara dos Deputados, não é mais o governo na maioria dos estados, e pode se enfraquecer também no Senado. A propósito: é vergonhoso que a maior potência do mundo, com todo seu poder tecnológico, não consiga fazer uma eleição informatizada e rápida até hoje, seis anos depois daquele vexame que foi a recontagem dos votos na Flórida.

Nos próximos dois anos, os Estados Unidos vão decidir o quanto mudarão sua política. Os pré-candidatos têm uma cara nova, e alguns representam propostas bem ousadas. Nancy Pelosi, dependendo do seu desempenho, fortalece-se como uma proposta democrata. A senadora reeleita com brilho e folga Hillary Clinton é outra pré-candidata. O senador por Illinois Barack Obama, jovem, negro, carismático, já explicitou sua ambição de, um dia, concorrer à Presidência. Essa lista impressiona pela novidade: duas mulheres e um negro, os que sempre estiveram barrados no poder, sempre branco e masculino. Pelo lado republicano, há o conhecido John McCain, veterano e herói da Guerra do Vietnã, cuja imagem foi atacada ferozmente por George Bush quando concorreu com ele pela candidatura à Presidência em 2000. McCain tem posições mais liberais, como a de não aceitar as leis de Bush para tratamento de prisioneiros de guerra. Ele, que ficou cinco anos preso no Vietnã, não podia mesmo concordar com as propostas de Bush para flexibilização sobre o que sejam direitos humanos.

Falando ontem de Nova York para a rádio CBN, a correspondente Angela Pimenta lembrou que Nancy Pelosi foi atacada duramente pelos republicanos durante a campanha, em anúncios em que era apresentada como liberal demais, a favor do aborto e contra a guerra no Iraque. Os militantes republicanos entraram na Wikipedia de uma forma tão grosseira, incluindo ofensas na biografia dela, que a enciclopédia proibiu a edição interativa da biografia dela. Esse ataque não impediu o impressionante avanço de Pelosi, que foi a primeira mulher a conquistar o posto de líder da minoria, e agora conquistou o cargo de speaker, que concentra tanto o de CEO da Câmara dos Deputados quanto o de segunda pessoa mais poderosa da República. Como um pequeno e significativo sinal da vitória, ela recebeu ontem o telefonema de congratulações do presidente Bush.

O que está acontecendo de novo nos Estados Unidos é a caminhada para o centro de alguns integrantes de ambos os partidos. Na questão ambiental, o governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, adotou uma postura verde e se afastou do presidente Bush para ter o sucesso que teve na reeleição. Hillary, por sua vez, tem tentado atenuar sua fama de esquerdista com um desempenho mais conservador no Senado. Até nas atitudes mais pessoais. Num perfil feito sobre ela pela última "Atlantic Monthly", conta-se que Hillary participa de um fechadíssimo grupo de oração no Senado, que toda quarta-feira reúne senadores dos dois partidos. Numa dessas reuniões, o senador conservador Sam Brownback pediu, em público, perdão por ter falado tão mal dela ao longo de anos. Eles ficaram próximos depois desse dia, inclusive com projetos comuns na proteção de refugiados e crianças contra a violência. Ela tem cruzado tanto a linha que separa os dois partidos, que o estrategista da Casa Branca, Karl Rove, mandou dizer à sua bancada que guardasse distância da adversária. Os próximos dois anos serão tempos interessantes nos Estados Unidos.

Arquivo do blog