Panorama Econômico |
O Globo |
1/11/2006 |
Um mau acordo é melhor que um bom conflito. Deve ser isso que levou a Petrobras a aceitar que, em caso de controvérsias em torno do novo acordo de exploração e produção de gás, a arbitragem seja feita na própria Bolívia. O país de Evo Morales contratou uma consultoria americana para ajudar nas negociações com as petroleiras, entre elas, a Petrobras. Para diversos analistas, o acordo que o Brasil aceitou tem a vantagem de acabar com o clima de tensão extrema entre os dois países vizinhos e parceiros. Mas bom para o Brasil o acordo não é. É apenas melhor que o "Decreto Supremo", baixado por Evo Morales. A Bolívia está ganhando todas. Os bolivianos usaram a favor deles até o calendário. Ocuparam as refinarias com tropas perto das eleições bolivianas, e marcaram a decisão exatamente para a noite da véspera da nossa eleição. O texto do acordo não foi divulgado porque precisa ser confirmado pelo Congresso boliviano, mas a informação da Petrobras é que metade da receita da exploração e produção de gás nos grandes campos de San Antonio e San Alberto fica com a Bolívia em forma de impostos. Os dois campos foram descobertos pela Petrobras. A outra metade é dividida em duas partes: uma seria para cobrir custos, investimento; a outra, seria lucro líquido que a Petrobras terá que dividir com a YPFB. A pior cláusula aceita foi mesmo a que estabelece a Bolívia como foro de disputa em torno do acordo. É óbvio que, com um antecedente de quebra de contrato, o local de solução de controvérsias tinha que ser um terreno neutro. Ontem, Evo Morales concedeu uma entrevista dizendo que, se não fosse assinado o acordo, ele mandaria tropas do Exército ocuparem os campos. Parece estar lidando com inimigos. Há ainda itens controversos no acordo. A Petrobras diz que o novo contrato será de produção e risco compartilhados. Afirma que seus ativos continuarão sendo ativos, ainda que, em 30 anos, eles se tornem da YPFB. Segundo a estatal brasileira, não será prestação de serviços porque não há um valor fixo pago. O que se vê é que o risco compartilhado com a YPFB de que tanto falam parece mais um lucro dividido. O especialista Adriano Pires acredita que existem pontos nebulosos, como definir com clareza este papel da Petrobras: se ela será ou não uma prestadora. Isso tem um impacto importante no balanço da empresa e no de outras empresas que operam lá. Se forem consideradas prestadoras de serviço, isso significa que os campos não podem mais ser contabilizados como reservas das companhias, e isso afeta o balanço. As grandes empresas não queriam aceitar o monopólio de distribuição da YPFB, mas segundo contou o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, a distribuição será feita pela empresa boliviana, que negociará com a Petrobras o gás extraído pela própria Petrobras. Nada foi decidido sobre as refinarias. Mas o que se diz no governo brasileiro é que a Petrobras será minoritária nas duas refinarias e terá que aceitar a sociedade com a YPFB em que a empresa boliviana ficará com a maioria do capital. A dúvida que existe é se a empresa brasileira será de fato indenizada ou não. O terceiro ponto em discussão, que só será decidido no dia 10 de novembro, é o preço do gás. - Durante todo esse processo, o Brasil ficou a reboque da Bolívia. Eles tomaram todas as iniciativas e o Brasil apenas reagiu. O governo tinha de ter começado a se prevenir logo que caiu Sanchez de Losada, porque se sabia que Evo Morales poderia ser eleito e ele tinha um discurso ultranacionalista - afirma Adriano Pires. O Brasil não se preveniu porque achou - e ainda acha - que a Bolívia não pode sobreviver sem as nossas compras de gás. Mas, enquanto o Brasil repetia isso, a Bolívia fez um acordo com a Argentina para fornecer 7,7 milhões de metros cúbicos de gás. Em 2008, serão 16 milhões de metros cúbicos e, mais tarde, 20 milhões de metros cúbicos. O raciocínio sempre foi que eles precisam mais de nós que nós deles, mas a Bolívia hoje já está com uma demanda por gás maior que a produção. Com o Brasil, eles têm um acordo para fornecer 30 milhões de metros cúbicos por dia, com a Argentina, têm esses 7,7 milhões que virarão 20 milhões de metros cúbicos, serão mais 1,5 milhão para a térmica de Cuiabá e mais 4 a 5 milhões de metros cúbicos do consumo interno. Hoje a Bolívia produz 38 milhões de metros cúbicos de gás. Só atende à demanda porque o Brasil não está consumindo tudo o que está previsto no acordo. Para aumentar a produção, a Bolívia depende de novos investimentos. Gabrielli diz que novos investimentos vão depender da estabilização das regras e de oportunidades que surjam, mas reitera que não há compromissos quanto a isso. O Brasil precisa acelerar os investimentos nos nossos campos da Bahia, do Espírito Santo e de São Paulo para aumentar a oferta de gás brasileiro. O que já começou a fazer. - A demanda por gás estava crescendo e era toda atendida pela Bolívia; além disso, os investimentos foram todos para garantir a auto-suficiência em petróleo, e os investimentos nos campos de gás foram reduzidos - diz Adriano. A Petrobras está também investindo nas unidades de GNL no Ceará e no Rio, mas elas só entram em operação em 2011. Até lá, começará a produzir o campo de Mexilhão, em Santos. Aí o Brasil poderá respirar mais aliviado. O ideal agora seria errar menos na negociação, subestimar menos a Bolívia, e não tratar o tema como se fosse uma conversa com o irmãozinho caçula. Não é esse o papel que a Bolívia quer ter. |
Entrevista:O Estado inteligente
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