Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 16, 2006

A MISTURA DE DOIS GOVERNOS Por Villas-Bôas Corrêa

Enrolado nas encrencas que pipocam de todos os lados, com antigos companheiros como o Luiz Gushiken e o Gilberto Carvalho abandonando os seus gabinetes no Palácio do Planalto; as dificuldades para fechar a aliança com o PMDB mais esburacado do que queijo suíço; o humor presidencial no porão com a recusa das propostas apresentadas pela equipe econômica para estimular o crescimento a 5% ao ano a partir de 2007 - o mandato da reeleição do presidente Lula exibe, para a perplexidade do eleitorado que garantiu os 58 milhões votos, a cara enrugada, com vincos nos cantos da boca; o cabelo grisalho e os passos trôpegos de um ancião que ainda não nasceu.
Entre os muitos erros da inexperiência de aluno que custa a decorar a lição, salta a evidência de que o reeleito comete o pecado mortal da cartilha política de misturar dois governos no mesmo cardápio. E acumula o duplo equívoco de desconhecer as singularidades do modelo de permissividade questionável, ao tolerar que o candidato a emendar dois mandatos permaneça no exercício do cargo, com o privilégio do uso e abuso da máquina administrativa. Daí a lambança na precipitação de abrir a banca das barganhas de ministérios, secretárias e fatias do bolo do governo com a antecedência temerária de mais de dois meses. Na verdade, assim que retornou, nas asas do Aerolula, com 28 convidados da família e dos cupinchas das curtas férias na paradisíaca praia baiana, de uso privativo da Marinha.
Ressalve-se que não temos a didática experiência com a praga da reeleição, que Lula ganhou de presente na bandeja da herança maldita do antecessor, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, francamente, é uma questão de bom senso que se deslinda com a análise das similitudes e diferenças entre as duas situações. Na sucessão com a troca habitual de titulares, o eleito para o próximo mandato fica com as mãos livres para iniciar a desejável articulação do seu governo, seja no acerto de acordos partidários para a montagem de firme base de apoio parlamentar ou nas sondagens e convites para compor o governo. Não são coisas distintas, mas que correm em trilhos paralelos.
Na reeleição, o panorama muda da água para o vinho tinto que acompanha os pratos de sustância. À frente, dois atalhos: se o reconduzido decide manter a equipe com pequenos retoques, não tem porque guardar segredo. É só dar o recado pela mídia. Mas o novidadeiro passa pelos apertos que o desafiam e que empurram o presidente Lula para o desespero da impaciência e da irritação.
No período de transição que se espichou à eternidade, a sábia prudência recomenda a boca fechada. É um teste difícil e complicado. As ambições cercam, pressionam, reclamam o seu quinhão na partilha. E, como é inevitável, o vazamento antecipa preferências e prováveis escolhas. Mais lenha para a fogueira.
Na corda bamba entre as duas soluções, o presidente-reeleito inventou a fórmula mista: escancarou a cortina para a rodada prévia de articulação com governadores, prefeitos, dirigentes partidários, parlamentares e os conselheiros da sua confiança. Deu no que está à vista. Dois governos paralelos batem as cucas na paralisia que engessa o presente e na ansiedade do futuro que se coça na pressa de assumir plena e publicamente, a honra de sócio do poder.
Com a habitual falta de compostura da sua decadência moral, a Comissão Mista do Orçamento aprovou o relatório preliminar para 2007 liberando o repasse de verbas para entidades controladas por parentes. Está dado o aviso: no Legislativo não muda nada
Nem nas relações do presidente com a imprensa. O tricô das suas contraditórias declarações sobre a mídia apenas confirma que o que o presidente Lula diz é como balão apagado: não se sustenta no céu.

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