No excelente Happy Feet, um grupo
de pingüins rejeita um filhote que
não sabe cantar – só sapatear
Isabela Boscov
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O australiano George Miller produz pouco (nove longas-metragens) e dirige menos ainda (apenas sete filmes, desde 1979). Mas, quando faz qualquer uma das duas coisas, costuma mostrar a que veio. Como em Mad Max, que inventou a aventura pós-apocalíptica, ou em Babe – O Porquinho, um dos melhores filmes infantis já realizados. Agora, depois de quase cinco anos de trabalho insano, Miller repete o feito: Happy Feet – O Pingüim (Happy Feet, Austrália/Estados Unidos, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, é um desenho absolutamente original – um musical e uma comédia que evoluem para o épico e a tragédia, numa animação de beleza extraordinária. (Aliás, original também por ter entrado em produção antes do documentário A Marcha dos Pingüins.) Miller parte de um dado real – o de que cada pingüim imperador desenvolve uma "voz" distinta. Em seu filme, cantar bem (de Queen e Prince a Frank Sinatra) é o orgulho dos imperadores, e a razão pela qual Mano já sai do ovo como um pária: seu canto é medonho. Mano só sabe se expressar sapateando, algo de que os imperadores nunca ouviram falar e que imediatamente rejeitam. Organizados numa sociedade puritana e conformista, eles acham que sacudir os quadris, ou apenas os pés, é uma profanidade.
Happy Feet começa, então, como uma história clássica – a do filhote rejeitado –, sobre um pano de fundo que lembra os primeiros tempos do rock, quando os Estados Unidos se escandalizaram com os meninos brancos que aderiam à tradição negra do ritmo. Daí prossegue para a jornada heróica de Mano, que o levará a conhecer uma comunidade latina de pequenos pingüins de Adélia, a ouvir as profecias de um grupo de elefantes-marinhos fatalistas e, finalmente, a descobrir que a escassez de alimento, que os anciãos atribuem ao seu nascimento, é na verdade resultado da ação de seres que se movem em colossais engenhos flutuantes, nos quais apanham quantidades infinitas de peixe. Mais ou menos como Ulisses, o jovem Mano se verá preso numa ilha estranha (um oceanário), e então empreenderá uma volta não apenas triunfal, mas também reveladora.
À medida que os horizontes de Mano se ampliam, cresce também a ambição do filme – até ele se tornar verdadeiramente grandioso, como na imagem dos pesqueiros em meio à bruma ou na seqüência em que o imperador enfrenta o ataque de duas baleias. Estreante em desenho, o diretor levou para Happy Feet sua capacidade singular de conceber mundos vivos e inteiros. A exemplo do deserto nuclear de Mad Max ou da perfeição pastoral de Babe, sua Antártica é ao mesmo tempo realista e impregnada de assombro. O que multiplica esse efeito, porém, é o contraponto com a intimidade e o detalhe com que os personagens são retratados – aquele "fator fofura" de que nenhum desenho comercial pode (ou quer) prescindir.