Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 18, 2006

Grisham no corredor da morte


Em seu primeiro livro de não-ficção, o autor
de thrillers jurídicos conta a história de um
inocente condenado à execução


Jerônimo Teixeira

James Estrin/The New York Times
John Grisham: contra a pena máxima


Em 1976, quando a pena de morte voltou a vigorar nos Estados Unidos, houve um acalorado debate legislativo em Oklahoma para determinar qual seria a melhor forma de execução. O estado conquistou a glória duvidosa de ser o primeiro no país a adotar oficialmente a injeção letal, método considerado mais "humano" do que a cadeira elétrica, o fuzilamento ou a câmara de gás. O ex-jogador de beisebol Ronald Williamson esteve muito perto da agulha. O dia de sua morte foi marcado para 27 de setembro de 1994. A menos de um mês da data, uma corte federal revisou o seu caso e suspendeu a execução. Alcoólatra, com graves problemas mentais e dado a pequenos trambiques, Ron, como era conhecido pelos amigos, estava muito longe de ser uma personalidade modelar – mas tampouco era um assassino. Sua condenação foi resultado de uma conjunção de falhas judiciais. A triste história de Ron foi reconstituída com um detalhismo exaustivo pelo americano John Grisham, 51 anos – autor de consagrados thrillers jurídicos como O Cliente –, em seu primeiro livro de não-ficção, O Inocente (tradução de Pinheiro de Lemos; Rocco; 384 páginas; 45 reais). A obra é uma reportagem duramente objetiva, com poucos vôos ensaísticos e quase nenhuma opinião explícita do autor. A história narrada por Grisham, porém, é um argumento poderoso para os que acreditam que a pena capital é incompatível com qualquer padrão civilizado de justiça.

Grisham só tomou conhecimento do caso ao ler o obituário de Ron no The New York Times, em 2004 (o ex-condenado morreu em liberdade, de cirrose hepática). "Nem em meu momento mais criativo eu poderia conceber uma história tão rica", diz o escritor no final do livro. Apesar dessa rica história, O Inocente demora para engrenar. No primeiro capítulo, o tom de relatório policial despe de qualquer emoção o crime violento que seria atribuído a Ron – o estupro e assassinato de Debbie Carter, uma garçonete de 21 anos. O leitor brasileiro, para quem as estatísticas do beisebol podem soar esotéricas, vai se aborrecer com o segundo capítulo, no qual se resume a medíocre carreira esportiva de Ron. Mas, a partir do momento em que o caso entra nos tribunais, Grisham está no seu território. Ele demonstra como o sistema judiciário pode ser pervertido pela má-fé e pela negligência de seus profissionais.

O assassinato foi cometido em Ada, cidade de 16.000 habitantes no interior de Oklahoma, em 1982. Embora ninguém jamais houvesse visto Ron na companhia da vítima, ele foi o bode expiatório perfeito para uma polícia truculenta sob a pressão de apresentar resultados – qualquer resultado, mesmo falso. Dennis Fritz, professor de uma escola secundária e amigo de Ron, também se viu implicado injustamente. Foi condenado à prisão perpétua. O caso no tribunal se baseou em evidências fajutas e depoimentos de criminosos coagidos pela polícia. Ironicamente, o verdadeiro assassino de Debbie foi uma das ilibadas testemunhas de acusação. A facilidade com que o júri popular se deixou persuadir por argumentos claudicantes é assustadora.

Ron ficaria confinado por mais de dez anos no corredor da morte da penitenciária de McAlester, conhecida entre os presos como o Big Mac. Foi inocentado em 1999, junto com Fritz, graças a testes de DNA, que não existiam na época do primeiro julgamento. Os dois ganharam uma ação milionária de reparação contra o estado de Oklahoma. É pouco perto do que passaram. A descrição do cotidiano no corredor da morte, com sua espera angustiante por recursos judiciais que se arrastam por anos, está entre as páginas mais envolventes – e tétricas – do livro. Não existe parâmetro humano pelo qual o sofrimento psicológico imposto aos que entram na fila da morte seja admissível. Que um inocente possa passar por isso é uma monstruosidade moral.

A DEFESA DOS POBRES

"O condado de Pontotoc não contava com um defensor público em tempo integral. O juiz designava um advogado local. Os honorários eram tão modestos que quase todos preferiam evitar esses casos. Há quase sempre muitos advogados presentes quando um tribunal está em sessão. Mas fica logo vazio quando um réu de pena capital é apresentado com um atestado de pobreza. Os advogados fogem para seus escritórios, trancam as portas e desligam o telefone."

Trecho de O Inocente

Leia trecho do livro O Inocente,
de John Grisham

CAPÍTULO 1

As colinas ondulantes do sudeste de Oklahoma estendem-se de Norman até Arkansas e exibem poucas evidências dos vastos depósitos de petróleo que costumavam abrigar em seu subsolo. Algumas velhas torres de perfuração ainda pontilham os campos; as ativas ainda bombeiam uns poucos galões a cada movimento lento, o que leva alguém de passagem a especular se o esforço vale mesmo a pena. Muitas torres foram simplesmente abandonadas e permanecem imóveis nos campos, como lembretes corroídos dos dias de glória com seus poços abundantes, aventureiros dispostos a correr riscos e fortunas feitas da noite para o dia.

Há torres espalhadas pelas terras agrícolas em torno de Ada, uma cidade antiga, com 16 mil habitantes, uma universidade e o tribunal do condado. As torres estão ociosas porque o petróleo acabou. Agora ganha-se dinheiro em Ada por hora, nas fábricas, moinhos de ração e plantações de pecãs.

O centro de Ada é bastante movimentado. Não há prédios vazios ou fechados com tábuas na Main Street, a rua principal. Os comerciantes sobrevivem, embora grande parte de suas vendas tenha sido transferida para as lojas na periferia da cidade. Os cafés ficam lotados na hora do almoço.

O prédio do tribunal do condado de Pontotoc é velho e apertado, fervilhando com advogados e seus clientes. Há ao redor a miscelânea habitual de prédios públicos e escritórios de advocacia. A cadeia sem janelas, mais parecendo um abrigo antiaéreo, foi construída, por algum motivo remoto, no gramado na frente do tribunal. O flagelo da metanfetamina a mantém sempre lotada.

A rua principal acaba no campus da East Central University, que tem quatro mil alunos. Muitos não residem em seus dormitórios. A universidade bombeia vida na comunidade, com um suprimento renovado de jovens e um corpo docente que acrescenta alguma diversidade à região sudeste de Oklahoma.

Poucas coisas escapam à atenção do Ada Evening News, um vibrante jornal diário que cobre a região e se empenha ao máximo para competir com o Oklahoman, o maior jornal do estado. De um modo geral, apresenta na primeira página as notícias internacionais e nacionais, depois as estaduais e regionais, em seguida os itens importantes, como esportes nas escolas secundárias, política local, eventos comunitários e obituários.

Os habitantes de Ada e do condado de Pontotoc são uma mistura agradável de sulistas interioranos e de representantes típicos da independência do Oeste americano. O sotaque poderia ser do leste do Texas ou de Arkansas, com suas vogais alongadas. Território dos índios chickasaws, Oklahoma tem mais nativos americanos do que qualquer outro estado; e depois de 100 anos de miscigenação, muitos brancos têm sangue indígena. O estigma desaparece depressa; na verdade, há agora um orgulho por essa herança.

O chamado Cinturão da Bíblia passa por Ada. A cidade tem 50 igrejas de uma dúzia de denominações do cristianismo, todas muito ativas, não só aos domingos. Há uma igreja católica, outra episcopal, mas nenhuma sinagoga. Quase todas as pessoas são cristãs, ou alegam ser; pertencer a uma igreja é a atitude esperada. A posição social de uma pessoa é em geral determinada por sua filiação religiosa.

Com 16 mil habitantes, Ada é considerada grande para os padrões da região rural de Oklahoma, o que atrai fábricas e grandes redes de varejo. Os trabalhadores e compradores podem vir de carro de vários condados vizinhos. A cidade fica 130 quilômetros ao sul e a leste de Oklahoma City e a três horas de carro do norte de Dallas. Todo mundo conhece alguém que mora ou trabalha no Texas.

A maior fonte de orgulho local são os leilões de cavalos quarto-de-milha. Alguns dos melhores cavalos dessa raça são criados pelos rancheiros de Ada. E quando o Cougars, o time de futebol dos secundaristas, ganha um torneio estadual, a cidade se pavoneia por anos.

É um lugar hospitaleiro, com pessoas que gostam de conversar e não hesitam em falar com estranhos, sempre ansiosas por ajudar alguém em necessidade. As crianças brincam nos gramados sombreados na frente das casas. As portas permanecem abertas durante o dia. Os adolescentes circulam pela cidade à noite sem causarem maiores problemas.

Se não fosse por dois crimes que ganharam notoriedade no início dos anos 1980, Ada continuaria desconhecida pelo mundo. O que teria sido melhor para a boa gente do condado de Pontotoc.

Como se estabelecido por algum decreto municipal não-escrito, quase todos os bares e boates de Ada ficavam na periferia, banidos para as beiras da estrada, a fim de manter a ralé e suas mazelas longe das pessoas de bem. O Coachlight era uma dessas casas noturnas, um lugar cavernoso com má iluminação, cerveja barata, junkeboxes, uma banda nos fins de semana, uma pista de dança e um amplo estacionamento de cascalho onde picapes empoeiradas eram muito mais numerosas do que os sedãs. Seus freqüentadores regulares eram o que se poderia esperar: operários de fábrica querendo beber um pouco antes de voltar para casa, homens do campo em busca de diversão, jovens que gostavam da noite e o pessoal festeiro que vinha para ouvir música ao vivo. Vince Gill e Randy Travis tocaram ali no início de suas carreiras.

Era um lugar popular e movimentado que empregava muitos bartenders, leões-de-chácara e garçonetes, gente que precisava de um bico. Uma das garçonetes era Debbie Carter, uma garota local de 21 anos, que se formara na Ada High School poucos anos antes e aproveitava sua vida de solteira. Debbie tinha dois outros empregos, que também não eram fixos, e ainda ganhava algum dinheiro como babysitter. Tinha seu carro e morava sozinha num apartamento de três cômodos em cima de uma garagem na Eighth Street, perto da universidade. Era bonita, cabelos escuros, esguia, atlética, bastante popular entre os homens e muito independente.

A mãe, Peggy Stillwell, preocupava-se pelo fato de a filha passar tempo demais no Coachlight e em outras casas noturnas. Não criara a filha para levar esse tipo de vida; na verdade, Debbie fora criada na igreja. Depois de concluir o ensino médio, no entanto, passara a freqüentar festas e voltar para casa de madrugada. Peggy protestava e as duas brigavam de vez em quando por causa do novo estilo de vida. Debbie decidiu ter sua independência. Arrumou um apartamento e saiu de casa, mas continuou muito ligada à mãe.

Na noite de 7 de dezembro de 1982, Debbie trabalhava no Coachlight, servindo bebidas e atenta ao relógio. Era uma noite de pouco movimento e ela perguntou ao seu chefe se podia deixar o serviço para ficar com alguns amigos. Ele concordou. Debbie foi sentar à mesa em que estavam Gina Vietta, uma amiga de ensino médio, e outras pessoas. Outro amigo da escola, Glen Gore, aproximou-se e convidou-a para dançar. Debbie aceitou. Mas parou subitamente, no meio da música, furiosa, e deixou Gore sozinho na pista de dança. Mais tarde, no banheiro, ela disse que se sentiria mais segura se uma das amigas passasse a noite em seu apartamento. Mas não explicou o que a preocupava.

O Coachlight fechou cedo, por volta da meia-noite e meia. Gina Vietta convidou vários do grupo a tomarem outro drinque em seu apartamento. A maioria aceitou. Debbie, no entanto, disse que se sentia cansada e com fome, preferia ir para casa. Eles partiram, sem qualquer pressa.

Várias pessoas viram Debbie conversando no estacionamento com Glen Gore, enquanto o Coachlight fechava. Tommy Glover conhecia Debbie muito bem, porque trabalhava com ela numa vidraria local. Também conhecia Gore. Ao embarcar em sua picape para ir embora, viu Debbie abrir a porta do lado do motorista de seu carro. Gore surgiu do nada. Conversaram por alguns segundos, até que Debbie empurrou-o.

Mike e Terri Carpenter trabalhavam no Coachlight, ele como segurança, ela como garçonete. Passaram pelo carro de Debbie ao saírem. Ela estava sentada ao volante, conversando com Glen Gore, que estava de pé ao lado da porta. Os Carpenter acenaram em despedida e seguiram para seu carro. Um mês antes, Debbie dissera a Mike que tinha medo de Gore por causa de seu temperamento estourado.

Toni Ramsey trabalhava no Coachlight como engraxate. A indústria do petróleo ainda era próspera em Oklahoma no ano de 1982 e se usava muitas botas caras na área de Ada. Alguém tinha de engraxá-las, e Toni ganhava um dinheiro muito necessário com esse trabalho. Ela também conhecia Gore. Ao sair naquela noite, ela avistou Debbie sentada ao volante de seu carro. Gore estava no lado do passageiro, fora do carro, agachado junto da porta aberta. Conversavam aparentemente de maneira civilizada. A impressão era de que não havia nada errado.

Gore, que não tinha carro, viera para o Coachlight de carona com um conhecido, Ron West. Chegaram ali por volta das onze e meia da noite. West pediu cerveja e se sentou para relaxar, enquanto Gore dava uma volta. Parecia conhecer todo mundo. Quando anunciaram que o bar iria fechar, West foi perguntar a Gore se ainda queria uma carona. Gore respondeu que sim. West saiu para o estacionamento e ficou esperando. Poucos minutos depois, Gore apareceu, apressado, e entrou no carro.

Os dois estavam com fome. Foram para um café no centro, chamado Waffler, onde pediram um lanche rápido. West pagou, assim como também pagara as cervejas no Coachlight. Ele começara a noite no Harold’s, outra casa noturna, onde fora procurar alguns colegas de trabalho. Em vez disso, topara com Gore, que trabalhava ali ocasionalmente como barman e discjockey. Os dois mal se conheciam. Mas quando Gore pediu uma carona até o Coachlight, West não pôde negar.

West tinha um casamento feliz, com duas filhas pequenas, e não costumava ficar em bares até tarde da noite. Queria ir para casa, mas sentia-se preso a Gore, que se tornava mais dispendioso a cada hora que passava. Quando deixaram o café, West perguntou ao carona para onde queria ir. Para a casa de sua mãe, respondeu Gore, na Oak Street, alguns quarteirões para o norte. West conhecia bem a cidade e seguiu para a rua indicada. Mas antes de chegarem à Oak Street, Gore mudou de idéia de repente. Depois de circular com West por várias horas, Gore queria conversar. Fazia frio e a temperatura continuava a cair, com um vento forte soprando. Uma frente fria se aproximava.

Pararam perto da igreja batista da Oak Avenue, não muito longe do lugar em que Gore dissera que a mãe morava. Ele saltou, agradeceu por tudo e começou a se afastar, seguindo para oeste.

A igreja batista de Oak Avenue ficava a cerca de um quilômetro e meio do apartamento de Debbie Carter.

A mãe de Gore, na verdade, morava do outro lado da cidade, bem longe da igreja.

Por volta de duas e meia da madrugada, Gina Vietta estava em seu apartamento, com alguns amigos, quando recebeu dois telefonemas estranhos, ambos de Debbie Carter. No primeiro, Debbie pediu a Gina que fosse buscá-la de carro porque alguém, uma visita desagradável, estava em seu apartamento. Gina perguntou quem era. A conversa foi interrompida por vozes abafadas e os sons de uma luta pela posse do telefone. Gina ficou preocupada, com toda a razão. Achou o pedido muito esquisito. Afinal, Debbie tinha seu carro, um Oldsmobile 1975, e podia ir para qualquer lugar sem ter de pedir ajuda. Quando Gina se preparava para deixar seu apartamento às pressas, o telefone tornou a tocar. Era Debbie, dizendo que mudara de idéia, que tudo estava bem, que ela não precisava se incomodar. Gina perguntou de novo quem era a visita, mas Debbie mudou de assunto, sem dar o nome. Pediu a Gina que ligasse pela manhã, para acordá-la, pois não queria chegar atrasada ao trabalho. Era um pedido estranho, que Debbie nunca fizera antes.

Gina pensou em ir até lá de qualquer maneira, mas logo mudou de idéia. Tinha convidados em seu apartamento. Era muito tarde. Debbie Carter podia cuidar de si mesma; e se tinha um homem em seu apartamento, Gina não queria se intrometer. Gina foi deitar. Esqueceu de ligar para Debbie poucas horas depois.

Por volta de 11 horas da manhã de 8 de dezembro, Donna Johnson apareceu no apartamento de Debbie para visitá-la. As duas haviam sido grandes amigas na escola, antes de Donna mudar-se para Shawnee, a uma hora de distância. Viera passar o dia em Ada com os pais e queria rever as antigas amigas. Ao subir a estreita escada externa para o apartamento de Debbie em cima da garagem, ela precisou tomar cuidado, pois descobriu que pisava em cacos de vidro. A pequena janela na porta fora quebrada. Por alguma razão, seu primeiro pensamento foi o de que Debbie trancara a porta com as chaves lá dentro e tivera de quebrar o vidro para entrar. Donna bateu na porta. Não houve resposta. Ouviu um rádio ligado no apartamento. Ao virar a maçaneta, constatou que a porta não estava trancada. Assim que entrou, compreendeu que havia alguma coisa errada.

A pequena sala estava um caos: as almofadas do sofá jogadas no chão, roupas espalhadas por toda parte. Alguém escrevera na parede à direita, com algum líquido avermelhado: "Jim Smith, o próximo a morrer."

Donna gritou o nome de Debbie. Não houve resposta. Já estivera no apartamento antes, por isso seguiu direto para o quarto, ainda chamando a amiga. A cama fora arrastada para um lado, as cobertas, arrancadas. Ela viu um pé e depois, no outro lado da cama, o corpo de Debbie, estendida no chão, de barriga para baixo, nua, ensangüentada, com alguma coisa escrita nas costas.

Donna ficou imóvel, paralisada pelo horror, incapaz de se aproximar. Limitou-se a olhar para a amiga, na expectativa de perceber sua respiração. Talvez fosse apenas um sonho, pensou.

Ela recuou e foi para a cozinha. Ali, numa pequena mesa branca, Donna viu mais palavras escritas, deixadas pelo assassino. O homem ainda podia estar ali, ocorreu-lhe de repente. Então ela saiu correndo do apartamento e voltou para o carro. Dirigiu acelerado pela rua até uma loja de conveniência, onde ligou para a mãe de Debbie de um telefone público.

Peggy Stillwell ouviu a notícia, mas não pôde acreditar. A filha caída no chão de seu quarto, nua, ensangüentada, sem se mexer. Ela fez Donna repetir o que acabara de dizer, depois saiu correndo para seu carro. A bateria estava descarregada. Atordoada pelo medo, ela tornou a entrar. Ligou para Charlie Carter, o pai de Debbie e seu ex-marido. O divórcio, poucos anos antes, não fora amigável e os dois quase nunca se falavam.

Ninguém atendeu na casa de Charlie Carter. Peggy ligou para Carol Edwards, uma amiga que morava perto do apartamento de Debbie, do outro lado da rua. Disse que havia alguma coisa errada e pediu a Carol para verificar o que acontecera com Debbie. Peggy esperou e esperou. Finalmente ligou de novo para Charlie, que agora atendeu.

Carol Edwards atravessou correndo a rua até o apartamento, notou os cacos de vidro na escada externa, a porta da frente aberta. Entrou e viu o corpo.

Charlie Carter era um pedreiro musculoso, que de vez em quando trabalhava como segurança no Coachlight. Pegou sua picape e correu para o apartamento da filha. Durante o percurso, pensou nas possibilidades mais horríveis que podiam passar pela cabeça de um pai. A cena no apartamento era pior do que tudo que imaginara.

Quando viu o corpo, chamou o nome da filha, duas vezes. Ajoelhou-se ao lado, ergueu o ombro de Debbie, gentilmente, para ver o rosto. Ela tinha uma toalhinha ensangüentada enfiada na boca. Ele tinha certeza de que a filha estava morta, mas esperou mesmo assim, na esperança de ver algum sinal de vida. Como não houvesse nenhum, ele se ergueu lentamente e olhou ao redor. A cama fora afastada da parede, as cobertas arrancadas, o quarto estava todo em desordem. Era evidente que ocorrera uma luta ali. Charlie foi até a sala, viu as palavras escritas na parede. Foi até a cozinha. Era uma cena de crime agora. Charlie enfiou as mãos nos bolsos e deixou o apartamento.

Donna Johnson e Carol Edwards estavam no patamar da escada, junto da porta da frente, chorando e esperando. Ouviram Charlie despedir-se da filha, dizer como lamentava o que lhe acontecera. Ao passar pela porta, cambaleando, ele também chorava.

– Devo chamar uma ambulância? – perguntou Donna.

– Não – respondeu Charlie. – A ambulância não vai mais adiantar. Chame a polícia.

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