A maldição da Venezuela
Miraflores Press/AP |
Chávez na TV com um de seus jornais governistas |
A imprensa da Venezuela caiu na armadilha de Hugo Chávez. Jornais, revistas e canais de televisão deixaram-se carimbar como um grupo reacionário, antagonista dos interesses dos pobres. Chávez se autoproclamou o único detentor da bandeira da salvação dos miseráveis. Ao mesmo tempo o caudilho conseguiu inculcar na opinião pública venezuelana e até mundial a idéia de que reportagens, artigos ou comentários que lhe desagradam são meros ataques das elites inconformadas com o avanço da maioria oprimida. Dessa forma ele conseguiu fazer descer sobre si o manto da impunidade.
Felizmente o Brasil não é a Venezuela, o presidente Lula não é Chávez e a melhor imprensa brasileira tem padrão mundial de qualidade. Mas não deixa de ser preocupante constatar que a esquerda não-democrática está obcecada pela idéia de que pode empurrar a imprensa brasileira rumo a um abismo similar ao que quebrou a espinha dorsal de sua congênere no país vizinho. O programa de governo do PT para o segundo mandato de Lula chegou a prever – e, depois das reações adversas, retirou do texto – a criação e o financiamento de órgãos de imprensa submetidos aos interesses oficiais, ou, no jargão deles, "democratizados", com o objetivo de se contrapor à "imprensa burguesa".
Essa é uma armadilha que precisa ser evitada a todo custo. Com algumas poucas e notáveis exceções, a Venezuela tem hoje uma imprensa oficial pró-Chávez e uma imprensa contra Chávez. Isso equivale a ter imprensa nenhuma. Jornais, revistas e canais de televisão nas democracias maduras, ou que aspiram à maturidade, não vivem de atacar ou de defender governantes ou partidos políticos. Vivem de servir a seus leitores conteúdos que eles julgam valiosos e pelos quais se dispõem a pagar – ou que, financiados pelos anunciantes, lhes chegam a um preço menor e até de graça, como é o caso das televisões abertas. Entre esses conteúdos, o mais nobre é, sem dúvida, a vigilância sobre os governos. Cair na armadilha é deixar que essa missão permanente da imprensa, garantida pela Constituição brasileira e tão fundamental para a manutenção da democracia, seja, por má-fé ou ideologia, maldosamente equiparada a uma oposição desleal e, sob tal pretexto, amordaçada.