Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Está sobrando vinho

Está sobrando vinho

Consumo baixo, boas safras
e novos produtores deixaram
bilhões de litros encalhados


Denise Dweck


Mark Dadswell/Getty Images
Vinícola na Austrália e, abaixo, na China: novos produtores tomam a freguesia dos europeus
Getty Images



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Uma combinação de safras recordes e queda no consumo criou uma situação inusitada: há excesso de vinho no planeta. Sete anos atrás, a produção mundial ultrapassou por boa margem a capacidade de consumo e não parou mais de crescer. Há dois anos, quando ela chegou ao seu maior volume em duas décadas, 6 bilhões de litros não encontraram comprador – o suficiente para distribuir 41 garrafas da bebida a cada brasileiro. No ano passado, sobraram 3,5 bilhões de litros, excedendo em 14% o consumo. A previsão deste ano é que sobrará 1 em cada 10 litros produzidos. Não há como armazenar tal volume, e também não vale a pena. A maioria do encalhe é de vinho de mesa, de média qualidade, vendido por menos de 7 euros – entre 20 e 30 reais no Brasil –, de um tipo que não envelhece bem. Se não for tomado logo, acabará por estragar. Só neste ano, 1,3 bilhão de litros de vinhos franceses, italianos, espanhóis, gregos e portugueses já foram transformados em álcool.

O excesso de produção está arruinando pequenos produtores na Argentina e na Califórnia. Mas a crise é mais aguda na Europa, especialmente na França. Uma das razões é a queda no consumo doméstico. Até pouco tempo atrás um companheiro em todas as refeições dos europeus, o vinho tem sido trocado por outras bebidas, sobretudo a cerveja. Os europeus não apenas bebem menos como também passaram a escolher melhor seus vinhos. Na Espanha, onde o consumo caiu pela metade nos últimos vinte anos, o gasto médio com a bebida subiu acima de 50%. Para complicar ainda mais a situação dos vinicultores europeus, o mercado internacional de vinho foi inundado pelos produtos do novo mundo, vendidos por preço menor. No fim da década de 80, a produção de fora da Europa representava apenas 4% das exportações mundiais. Agora, somam 27%.

Por fim, os vinhos mais leves e frutados produzidos no Chile e na África do Sul caíram no gosto dos consumidores em escala mundial. Como era de esperar, a maioria dos produtores franceses torce o nariz para essas novidades e se recusa a aderir ao modismo. "Alguns vinhos franceses estão realmente saindo de moda", disse a VEJA a francesa Sylvie Courselle, dona da vinícola Château Thieuley, em Bordeaux. "A tendência é que apenas os vinhos europeus de qualidade sobrevivam", comenta o paulista Arthur Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers.

A reviravolta no mercado internacional de vinho está ainda no começo. Países sem tradição vinícola – Peru, México, Índia, Tailândia, Líbano e China – estão investindo em vinhos de qualidade, com ambição de se tornar exportadores. O vinho de mesa produzido nesses países provavelmente será tão bom quanto qualquer produto de categoria similar proveniente da Europa. Isso porque novas tecnologias tornaram menos rígida a chamada barreira dos paralelos – aquela antiga convicção de que só as regiões situadas acima do paralelo 30, no Hemisfério Norte, e abaixo do paralelo 30, no Hemisfério Sul, têm as condições de solo e clima ideais para a produção de vinhos de qualidade.

No Brasil, o impacto da abundância de vinho no mercado mundial é evidenciado pela presença de novos produtos, nem sempre de tão boa qualidade, mas com preços convidativos. "Os produtores estão tentando empurrar o excedente para mercados como o brasileiro, no qual o consumo ainda é baixo", diz o economista José Fernando Protas, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho. A pressão mais forte por novos mercados vem da Austrália, onde há 800 milhões de litros de vinho encalhados devido a um erro de cálculo. Na década de 90, o governo australiano incentivou investimentos em vinícolas. Em apenas três anos, a produção cresceu 40%. O país tornou-se o quarto maior exportador do mundo, mas o excesso de vinho fez os preços cair. Em vários vinhedos, as uvas estão apodrecendo nas parreiras e pequenos produtores vêm abandonando a atividade.


Foto Marcos Lima

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