Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 04, 2006

Brasileiras brilham no mundial feminino de sumô

As meninas do sumô

Duas brasileiras brilham no
Mundial feminino do Japão
e voltam com bronze


Marcelo Bortoloti

Roberto Setton
Ana Cláudia Gomes pronta para o ataque: sem problemas com a balança

Ana Cláudia Gomes tem 19 anos e pesa 119 quilos. Fosse uma gordinha qualquer, estaria insatisfeita com o próprio corpo. Ela está feliz. Graças ao seu tamanho, e a um treinamento intensivo de cinco anos, brilhou no Japão no mês passado com direito a aparição na TV em horário nobre. Não esteve em nenhuma passarela, mas num ringue. Ana é uma das três lutadoras de sumô que representaram o Brasil no campeonato mundial feminino do esporte, realizado em Osaka. Voltou com uma medalha de bronze conquistada na categoria peso pesado e sentindo na pele glória parecida com a de um jogador de futebol, embora o fato tenha passado quase despercebido no Brasil. Há algum tempo o sumô deixou de ser esporte restrito a japoneses enormes. Pelo menos 150 mulheres o praticam no Brasil. Jovens gordinhas que assumiram sua condição na contracorrente da cultura dietética, abraçando essa modalidade em que a mais pesada leva vantagem. Garotas como Ana Cláudia passam longe de problemas que tanto perturbam as meninas de hoje, como anorexia ou bulimia. E não sofrem para perder gordurinhas localizadas. Em suma, não gostam de passar fome. Desde que o esporte foi liberado para mulheres, em 1996, esse é um grupo que não pára de crescer no mundo. Trinta e quatro países participaram do campeonato no Japão, incluindo alguns sem nenhuma tradição no sumô feminino, como Egito e Paquistão. "Certas pessoas entram em depressão achando que são mais feias que as outras e fazem loucuras para mudar o físico. Eu não: como de tudo e nunca tive preconceito comigo mesma. Tenho esse peso, mas não levo uma vida sedentária", diz a atleta, que no Mundial teve de enfrentar adversárias gigantes, de 1,80 metro e até 150 quilos.

Yuriko Nakao/Reuters
Sumoca inglesa enfrenta búlgara no Japão: esporte em alta no mundo

Ela não é descendente de japoneses. Mora na cidade de Salto, no interior de São Paulo, e só conhecia o sumô pela televisão. Achava engraçado aqueles tipos corpulentos e seminus usando uma mistura de fralda com fio-dental – o mawashi. Aos 14 anos, idade não muito diferente da que tem a personagem Giselle, a bulímica famosa de Páginas da Vida, Ana Cláudia aprendeu a luta oriental e imediatamente se identificou com ela, apesar de ser evangélica. O pai, motorista de caminhão, foi contra. Não via futuro para a filha em cima de um ringue. Quem lhe apresentou o esporte foi o campeão de sumô Takehissa Kiyota, mestre nissei que na época começava a dar aulas para brasileiros na cidade. Hoje a turma tem trinta alunos, sendo cinco mulheres. Ana Cláudia é a sua principal discípula, e já derruba até mesmo o professor. "As meninas têm uma dificuldade maior para aceitar o sumô, e realmente não é para qualquer uma. Para lutar, tem de ter coragem de tirar o sapato, ficar com o pé na terra e se exibir lá em cima", diz ela. "Costumamos dizer que só de subir lá você já é uma vitoriosa, venceu o preconceito da família." As lutadoras de sumô usam uma espécie de collant por baixo do mawashi para vestir o corpo. De resto, as posições, os gritos e a aparência da luta feminina são bastante semelhantes aos da masculina, com a diferença de que as sumocas de maior destaque não têm ascendência oriental. Alemanha, Rússia e o próprio Brasil estão entre os melhores do mundo.

Outra brasileira que voltou premiada do Japão, com um bronze na categoria peso médio, foi a paraense Alexandra Marques. A jovem de 23 anos mede 1,55 metro e pesa 80 quilos. Confessa que não resiste a uma boa macarronada e é considerada uma potência pelos entendidos. "Sou fortinha, mas tenho o meu charme", define-se. Ela pratica sumô há cinco anos e começou lutando contra homens numa academia em Santa Isabel do Pará, na região metropolitana de Belém. Hoje, com a estante floreada de troféus ganhos em campeonatos regionais e brasileiros, é figura conhecida na mídia local e recebe bolsa do governo do estado para continuar praticando o esporte. "Tudo o que tenho é graças ao meu físico e à minha força. Se fosse magrinha e bonitinha, não teria chegado até aqui", diz a atleta, cujo hobby é assistir a programas de luta na televisão. Alexandra não tem namorado. Ana Cláudia também não. Mas ambas garantem que o fato de serem corpulentas e lutadoras de sumô não as impede de levar uma vida social normal, de ser admiradas e até de receber galanteios. "Tenho admiradores que me mandam flores e caixas de bombom", afirma a atleta do Pará.

Octavio Cardoso
Alexandra Marques (à dir.) desafia colega "magra" no Pará
Para manter a vaidade, ela enfrenta alguns obstáculos. Seu número de roupa não é encontrado em qualquer loja, e muitas vezes ela opta por trajes largos e elásticos. A jovem também não pode fazer as unhas nem usá-las compridas – uma exigência do sumô – e precisa manter o cabelo sempre curto ou preso para não atrapalhar. Em contrapartida, vai maquiada aos treinos e campeonatos, usa perfume e tem um cuidado especial com sua toalete, para que nenhum odor desagradável apareça durante a luta, como é de praxe acontecer com muitas atletas internacionais. Dizer que o sumô incentiva a obesidade ou que se resume a um esporte para gordos é algo que desagrada a Alexandra. Ela garante que, além do peso, o que vale é a técnica, a força e o equilíbrio. Mesmo assim, a própria atleta não quer saber de regimes. "Posso até emagrecer, mas não quero ficar com menos de 70 quilos", diz. A dieta ideal para uma boa lutadora de sumô? Alexandra esclarece: "Gosto de feijão, peixe, alface, pepino e, principalmente, tomo muito açaí".

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