Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 01, 2006

Com maturidade política



Editorial
O Estado de S. Paulo
1/11/2006

Se fosse para definir o que está contido na outorga que faz o eleitor ao candidato que sufraga numa eleição majoritária para o Executivo - como a presidencial que acabamos de ter, em segundo turno -, assim poderia estar expresso o mandamento: vença a eleição e conquiste o governo; se não o conseguir, torne-se oposição, fiscalize e cobre seu adversário vitorioso; nesse caso, sem adesão sistemática, apóie-o naquilo que considerar de real interesse para a população. Aí está resumido o roteiro do convívio civilizado e da maturidade política numa democracia - o que, aliás, foi demonstrado exemplarmente na transição do governo FHC ao governo Lula e nos primeiros tempos deste, até a volumosa maré de escândalos iniciada com o caso Waldomiro Diniz.

Agora, apesar de todo o acirramento da campanha e da disputa eleitoral encerrada, as circunstâncias indicam, de várias formas, a preservação da maturidade já atingida pela democracia brasileira. Até mesmo o grau de envolvimento emocional das campanhas não impediu uma comemoração normal e discreta dos vitoriosos: quem viu na noite de domingo a manifestação popular em homenagem a Lula, com as 4 mil pessoas na Avenida Paulista, nem de longe pôde compará-la com aquela outra de mais de 50 mil pessoas, no mesmo lugar, quando Lula conquistou seu primeiro mandato presidencial. Quer dizer, entre nós vitórias e derrotas de candidatos e partidos - inclusive a escolha do chefe de Estado e governo - vão-se tornando fato comum e corriqueiro, como nas mais tradicionais democracias do mundo.

Os pronunciamentos dos principais líderes da oposição - que estão no PSDB - caminham no mesmo sentido. O ex-presidente Fernando Henrique, com oportunidade, descarta a hipótese de “pacto com o PT” - o que não teria sentido algum - e propõe um relacionamento com o governo em nível elevado, institucional, o que seria melhor simbolizado pelo locus da negociação governo/oposição: de preferência o Congresso Nacional e não o Palácio do Planalto. Certamente não haveria o ex-presidente de reagir sem mágoa à insistência com que o presidente Lula continua se arvorando em exterminador da inflação (mesmo tendo sido contra o real) e em reafirmar que seus primeiros 4 anos de governo “derrotaram” os 8 de FHC em todos os campos. Na verdade as duas reeleições (a de FHC em 1998 e a de Lula, agora) tiveram um poderoso e imbatível trunfo comum: a inflação baixa, que representou preservação do poder aquisitivo da população. De qualquer forma, não serão mágoas passadas que impedirão hoje um maduro diálogo.

Também o presidente do partido tucano, senador Tasso Jereissati, sem abrir mão do direito (diríamos até obrigação) de fazer oposição dura e constante, inclusive alertando para a impossibilidade de deixar de exigir punição para culpados dos escândalos em pauta, coloca-se inteiramente “aberto ao diálogo” com o governo. Nos três Estados de grande contingente eleitoral e histórico poder de influência na política nacional - Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul -, cujos governos foram conquistados pelo PSDB, o presidente Lula encontra efetivas pontes de aproximação. Todos - talvez em especial os presidenciáveis Serra e Aécio, mas no fundo todos os que pretendem realizar gestões marcantes em seus Estados - sabem da importância de manter canais desobstruídos de articulação com o governo federal, numa série de campos e pontos de conexão.

Reconheça-se, no entanto, que até agora o presidente Lula não foi feliz, pelo menos no tom que empregou para convocar a oposição ao necessário diálogo. Disse ele: “Vou chamar todo mundo para conversar e quem não quiser conversar, vai ter de se explicar.” Tem razão o senador Christovam Buarque que viu nessa convocação o tom do imperador que exige o beija-mão. Chamamento ao diálogo supõe - na democracia - plena liberdade, do interlocutor convocado, de aceitá-lo ou não. A livre conveniência política de cada qual deve ser respeitada, de parte a parte. Isto posto e corrigido o tom, é o momento de governo e oposição estabelecerem as bases do diálogo necessário, com a maturidade política já conquistada.

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