Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 10, 2006

Celso Ming - O inimigo errado



O Estado de S. Paulo
10/11/2006

O fraco desempenho da indústria desengavetou uma corrente de reclamações contra a concorrência do produto importado, como se fosse sempre predatório.

Vamos por partes. A partir dos anos 40, começou no País o processo de substituição de importações que no final dos anos 80 já se tinha esgotado. Durante esse período, o objetivo era produzir no Brasil o que antes era importado. Esse processo caracterizou-se pela densa proteção alfandegária e farta distribuição de concessões oficiais: subsídios, empréstimos a juros favorecidos, reservas de mercado e garantia de preço. O importante foi alijar o produto importado do mercado interno, sem olhar demais para a necessidade de compressão de custos.

A cultura de que o importado é nocivo subsiste no Brasil, apesar dos choques de competitividade a que a produção nacional foi submetida desde 1990. No momento, os dados acusam crescimento do consumo a um ritmo superior a 5% ao ano, não acompanhado pela produção local. A maior parte da diferença vai sendo coberta pelas importações, graças ao câmbio favorável à contratação de suprimento externo.

Os líderes da indústria tendem a ver o aumento das importações quase somente como ameaça. Ou, então, como prova de que a política econômica está errada.

Para eles, as mercadorias importadas fazem concorrência desleal, na medida em que o produtor estrangeiro conta com condições mais favoráveis para produzir e vender: impostos mais baixos, capital barato, maior acesso à tecnologia, infra-estrutura mais moderna e de custos mais baixos. Assim, diante dessas condições hostis, reivindicam "mais câmbio", para que um dólar mais caro em reais melhore as condições do produto nacional ante o importado.

O problema é que o câmbio desfavorável é apenas conseqüência de um punhado de fatores, a começar pelo enorme superávit comercial obtido pelo terceiro ano consecutivo (confira gráfico), que neste ano irá provavelmente a US$ 46 bilhões.

Não há reversão possível para a atual relação cambial que não passe pelo incremento das importações que, por sua vez, virá naturalmente, quando o crescimento engrenar. Só quando as importações se aproximarem do total exportado, o dólar terá condições de recuperar-se no câmbio interno.

Importações mais vigorosas ajudam a melhorar as condições da economia. Concorrem para aumentar o fluxo de comércio (exportações mais importações). Quanto mais forte o comércio exterior, menos vulnerável fica o câmbio ao fluxo de capitais.

Como é relativamente fácil obter financiamento externo nas encomendas ao exterior, o aumento das importações assegura capital de giro com recursos mais baixos do que os obtidos no Brasil. Boa parte dos produtos importados incorpora tecnologia mais moderna, o que estimula a indústria brasileira a atualizar suas linhas de produção.

Como tantas empresas já estão fazendo, as importações de produtos intermediários concorrem para melhorar a qualidade e para reduzir os custos internos. E, finalmente, porque em muitos casos são mais baratos do que os produtos nacionais, os importados ajudam a derrubar a inflação. Não há quem discorde de que uma das principais razões pelas quais a inflação caiu a cerca de 3% neste ano foi a pressão pela redução de preços exercida pelo produto importado.

Se a indústria está perdendo competitividade não é porque o dólar ficou barato demais. É porque o alto custo Brasil amarra tudo. O remédio para isso não é a derrubada artificial da cotação do dólar (desvalorização do real), mas a garantia do equilíbrio das contas públicas. Quando isso acontecer, a dívida cairá e os juros também; os impostos poderão ser mais baixos; e sobrarão recursos para o investimento.

Mas, para isso, é preciso antes tapar o rombo da Previdência Social e aprovar as reformas.

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