Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, novembro 16, 2006

Celso Ming - Ambigüidades petistas




O Estado de S. Paulo
16/11/2006

A crise dos controladores de vôo mostra como o PT e o governo Lula lidam mal com assuntos que envolvem segurança nacional e questões trabalhistas.

Mesmo sabendo que cerca de 80% dos controladores de vôo são militares (sargentos da Força Aérea) submetidos ao esquema de vencimentos e benefícios da Aeronáutica, o presidente Lula e seu ministro da Defesa, Waldir Pires, insistiram em dar ao caso tratamento trabalhista a ponto de determinarem que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, se empenhasse na busca de uma solução. Terça-feira, finalmente, o presidente parece ter entendido que o movimento ameaça subverter a ordem militar e que a crise devesse encontrar uma solução militar e não o nheco-nheco político proposto pelo ministro Waldir Pires.

Mas por que tanta vacilação?Porque, nas questões que envolvem aspectos trabalhistas, o governo PT segue enroscado na suposta ética sindicalista que pune quem eventualmente atrapalhe movimentos dos companheiros que lutam por conquistas ante os patrões e demais exploradores da mais-valia do trabalhador.

Vão dizer agora que, ao dar ao problema tratamento militar, o presidente Lula traiu suas origens e agiu de maneira tão revoltante como um fura-greve ou pelego que faz o jogo patronal.

Mas este é só um entre os temas sobre os quais o PT e o governo Lula mantêm relação de ambigüidade. Por trás dessa coisa mal resolvida está o DNA do PT e das esquerdas brasileiras, que ainda não sabem o que fazer de suas antigas convicções socialistas, mesmo já decorridos 17 anos da queda do Muro de Berlim e da incorporação das duas maiores potências antes socialistas, Rússia e China, à economia global.

Até mesmo os mais recentes documentos oficiais do PT estão eivados de expressões que refletem espíritos aturdidos com o mundo que os cerca. Falam em romper com a sociedade neoliberal, não porque tivessem assumido ideologia social-democrata, que mal ou bem é a que pode contrapor-se ao "pensamento hegemônico", mas porque ainda não se livraram do socialismo à moda antiga. Encaram a globalização não como dado da realidade com o qual conviver, mas como jogo nefasto a projetos que hoje são incapazes de enunciar.

É enorme a lista de temas com os quais o PT e o governo Lula não sabem lidar porque se mantêm travados em suas convicções. Confira alguns deles:

Segurança pública - Embora tenham evoluído em conseqüência das funções de mando que vêm assumindo, os líderes petistas ainda misturam causas da bandidagem com causas da miséria social. Assim, tendem a ver a violência urbana e o crime organizado mais como problema social do que como caso de polícia.

Guerrilha - Para um petista de quatro costados, guerrilheiro é sempre um herói que luta contra a injustiça do sistema capitalista. Não sabe o que fazer ou faz bobagem quando tem de tratar com movimentos guerrilheiros que se envolveram com o narcotráfico, com terrorismo e com o crime organizado, como é o caso das Farc colombianas e do Sendero Luminoso peruano.

Democracia - Para um grande número de líderes do PT, democracia não passa de disfarce adotado pelas potências hegemônicas para continuar a dominação imperialista. Daí, também, a dificuldade para tratar como ditadores chefes de Estado "de esquerda" não eleitos pela população que se perpetuam no poder, como o cubano Fidel Castro e o norte-coreano Kim Jong-il.

Comércio exterior - Tratados comerciais, especialmente com países ricos, a ampliação do comércio exterior e assuntos correlatos são vistos como adesão ao jogo capitalista. Na maioria das vezes, esse contexto ainda vai amarrado a velhas convicções dos tempos da aliança com a burguesia nacional, que pressupunha a defesa do empreendimento nacional contra o capital estrangeiro. O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio não passam para eles de instituições internacionais encarregadas de fazer o jogo das grandes potências.

Privatização - As raízes estatizantes do modelo econômico ainda levam os petistas a verem como "privataria" qualquer projeto de venda de companhias estatais, mesmo quando entendem que o setor público não tem recursos para capitalizar suas empresas. Até mesmo as Parcerias Público Privadas (PPPs) aprovadas no governo Lula são vistas como entrega disfarçada de patrimônio público a interesses de apaniguados pelo sistema, como mostrou a greve dos metroviários acontecida em agosto.

celso.ming@grupoestado.com.br

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