Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 14, 2006

AUGUSTO NUNES O adeus do bom companheiro

Augusto Nunes
augusto@jb.com.br


O adeus do bom companheiro


O presidente Ernesto Geisel, que meses antes entregara o poder a João Figueiredo, andava intrigado com os critérios usados pelo sucessor nas movimentações ministeriais.

- Qual é mesmo o cargo do Danilo Venturini? - perguntou a um dos raros jornalistas com os quais costumava conversar regularmente.

O jornalista não sabia direito como fora batizado o novo posto confiado ao general Danilo Venturini. Era algo como "ministro especial para Assuntos Extraordinários". A perplexidade de Geisel cresceu:

- O que faz alguém num cargo desses? - estranhou.

O jornalista resumiu-lhe o que Figueiredo dissera a amigos. Convivia com Venturini havia anos. Confiava na lealdade do companheiro de farda. Gostava de ouvi-lo sobre assuntos de governo. Promovido a número 1 do regime militar, julgara sensato mantê-lo por perto. Nada melhor que entregar-lhe um ministério.

- Quer dizer que o Venturini foi nomeado para ficar perto do Figueiredo? - insistiu Geisel.

Isso mesmo, confirmou o interlocutor.

- Então, o nome certo é Ministro Para Ficar Perto de Mim - encerrou o ex-presidente.

Geisel foi o primeiro a chamar pelo nome adequado essa excentricidade tão exclusivamente brasileira como a jabuticaba, o Saci ou Aldo Rebelo. Mas o Ministro Para Ficar Perto de Mim não foi inventado por Figueiredo, nem Venturini o primeiro a ocupar o cargo. A maluquice nasceu com a República, sem jamais assumir a identidade. Sempre se camuflou com pompas e fitas que mal cabem no cartão de visita.

Quase todo presidente teve um. Sempre hiperbólico, Lula tem dois: Luiz Dulci e Luiz Gushiken. O primeiro se disfarça de chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. O segundo, informa a plaqueta na entrada do gabinete, é o comandante do Núcleo de Assuntos Estratégicos. Ambos têm status de ministro. Sempre que convocados por Lula, fazem-lhe companhia. O que fazem no restante do tempo, isso ninguém sabe.

No começo do governo, alguma coisa fizeram. Ou tentaram. Dulci, conhecido no PT como mineiro sabido, dado a pensamentos e filosofias, foi apresentado à nação como aquele que escreveria os discursos do presidente. Tarefa difícil. Lula acha leitura pior que exercício em esteira. Leu meia dúzia e improvisou o resto. Dulci teria tempo de sobra.

Aproveitou-o para transformar-se no silêncio das reuniões matutinas do "núcleo duro", completado por José Dirceu, Antonio Palocci e Luiz Gushiken. A temporada de escândalos interrompeu o desfrute. Dirceu foi demitido por Roberto Jefferson, Palocci tropeçou no caseiro, Gushiken virou caricatura do antigo donatário das verbas publicitárias e dos fundos de pensão. O "núcleo duro" acabou. Os dias de Dulci ficaram ainda mais longos. Tão longos quanto os de Gushiken.

Agendas atulhadas de compromissos são recomendáveis a ministros comuns, não aos escolhidos para ficar perto do presidente. Liberados da rotina de trabalho, Dulci e Gushiken melhoraram o desempenho. Se quisessem, ambos ficariam mais quatro anos no posto.

Só Dulci quis. Ontem, Gushiken divulgou a carta de exoneração entregue a Lula. Vai servir ao partido em outra freguesia, "com a sensação do dever cumprido". O presidente perdeu um conselheiro de estimação.

O Brasil não perdeu nada.

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