O Globo
14/7/2006
Em nenhum país democrático a prática do jornalismo é limitada a quem
tem diploma de jornalismo — exceto no Brasil. Trata-se de uma camisa-
de-força, que poderá se tornar mais apertada se for sancionado um
projeto de lei há pouco aprovado no Congresso.
Ele estende a exigência do diploma a praticamente todas as atividades
em redações de jornais, revistas, programas jornalísticos de rádio e
TV e sites na Internet. É iniciativa defendida pela Federação
Nacional dos Jornalistas, que senadores e deputados, pelo visto,
acreditam que representa — ela e mais ninguém — os interesses da
profissão.
Pelo projeto que apadrinhou com sucesso, a entidade parece (com
certeza involuntariamente) mais próxima dos interesses das faculdades
particulares de jornalismo, que a cada ano jogam no mercado um
aluvião de diplomados com escassas chances de emprego.
Autores e padrinhos do projeto de lei não entendem que a missão de
mostrar à opinião pública o que acontece na verdade menos pede a
exclusividade do diploma de jornalista do que a presença nas redações
de profissionais de outra formação. O curso superior poderia ser uma
exigência, mas não o mesmo curso superior para todos. Entender e
explicar o que se passa no país e no mundo é trabalho complicado.
Poderia ser realizado com eficiência bem maior se dele participassem
diretamente pessoas com formação em História, Direito, Economia,
Letras etc.
Seria, claro, presença minoritária. Mas esse pessoal faz falta.
O projeto agora aprovado não soluciona problema algum — e cria
diversos, ao instituir a exigência do diploma de jornalismo para
atividades não-jornalísticas. Uma das derrapadas não tem conserto: ao
contrário do que pensam os autores do monstrengo, as profissões de
radialista e arquivista já são regulamentadas em lei. Nos dois casos,
exigir o diploma de jornalista é absurdo jurídico. E é simplesmente
bobagem querer que assessores de imprensa sejam jornalistas. Esses
profissionais são na verdade interlocutores de jornalistas, e podem
perfeitamente ter diploma na área de relações públicas. Ou nenhum
diploma, apenas competência.
Tem mais: revisores não precisam ser jornalistas porque seu trabalho
pede prioritariamente (quase exclusivamente) conhecimentos de
português, já que visa principalmente à correção de erros
gramaticais. E um diagramador deve entender de artes gráficas: suas
decisões não se referem ao conteúdo da notícia e sim à roupa que ela
veste. Sua formação deve ser em artes visuais, não em jornalismo.
Em outro de seus absurdos, o projeto exige diploma a quem faz
“comentário, narração, análise ou crônica, pelo rádio, pela televisão
ou por outros veículos de mídia impressa ou informatizada”. Ou seja,
olho da rua para ex-jogadores de futebol e ex-juízes que acompanham a
transmissão das partidas. Adeus, Arnaldo César Coelho, Tostão,
Falcão, Casagrande e o resto do time.
Mais: José Hugo Celidônio, vá aprender a escrever uma notícia e só
depois volte para nos falar de pratos e molhos. Arnaldo Jabor, se não
tem diploma, leve sua santa indignação para a praça pública. Paulo
Coelho, Diogo Mainardi, procurem nova turma.
Enfim, o projeto é uma bobagem. Seria engraçado, não fosse o risco de
ser levado a sério.