Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

João Ubaldo Ribeiro -Vamos dar uma força a Ronaldo

Jornal O Globo

Entre as coisas mais terríveis que acontecem aos muito famosos, está
a de que ele ou ela deixa de ser gente. Passa a pertencer a uma
espécie à parte das outras pessoas, principalmente se, junto à fama,
vem a fortuna.

O famoso não sente as emoções comuns aos demais mortais, não se
melindra, não se ofende, não tem problemas pessoais, está sempre
disponível e de bom humor, aprecia ter sua vida escarafunchada nos
mínimos detalhes, tem sempre de se comportar impecavelmente — e
talvez nem precise ir ao banheiro.

Por tudo isso, tratamos Ronaldo com crueldade e insensibilidade, como
se ele fosse um rinoceronte psicológico, com um couro tão grosso que
resiste até a armas de fogo. Ronaldo é vítima de crueldade e, em
muita gente, até um certo prazer mórbido, quando está mal. É tratado
com desrespeito e hostilidade por comentaristas esportivos e, mais
ainda, pelos torcedores, que se esquecem inteiramente do valor dele
na história de nosso futebol.

O herói de tantas jornadas, o que deu alegria a tantos, o que já
demonstrou tanto talento e força de caráter através das vicissitudes
enfrentadas se torna um vilão, quase um canalha. Basta lembrar a
situação gravíssima de seu joelho, não faz tanto tempo assim, em que
ele teve uma acabrunhante falsa recuperação e, mais tarde, foi
solenemente declarado inutilizado para o futebol. Com grande coragem,
determinação e força de vontade, ele desmentiu as cassandras e voltou
aos estádios, onde de novo brilhou, para alegria nossa.

Não se trata de ter pena dele, trata-se apenas de um pequeno esforço
para compreendê-lo. Quem ouviu os gritos da torcida no jogo contra a
Croácia ouviu os mais pesados insultos a ele. Até o presidente da
República achou de, bancando o torcedor comum (presidente da
República não pode nem brincar de torcedor comum; é, perdão, até uma
irresponsabilidade), mencionar a sua “gordura”. Ronaldo reagiu em
público com o que me pareceu absoluta propriedade. Mas isso em
público. Quem sabe o que se passa na cabeça desse rapaz, alçado da
origem humilde à glória e à fortuna? Quem conhece a sensação que ele
tem, ao ver, ouvir e ler tantas aleivosias, ainda mais quando já foi
o salvador da Pátria, o melhor jogador do mundo e um dos maiores
artilheiros de nossa História, o irresistível Fenômeno? Só ele. E,
como já disse antes, nada é mais difícil que superar problemas de
cabeça. Ele se sentiu mal, foi levado ao hospital, nada de físico se
constatou. Ronaldo é gente, sim e, como gente, sofre com a dureza e a
ingratidão que o cercam. Cumpramos, então, o nosso dever de justiça e
compreensão. Sim, Ronaldo precisa mostrar jogo. Mas nós precisamos
dar-lhe apoio e carinho, pois é o mínimo que podemos fazer pelo
atleta extraordinário a quem devemos tanto.

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