Hoje, em São Paulo, há 2.500 novos ônibus correndo com carrocerias da
marca Caio, uma empresa falida
UMA DAS atividades que proliferaram nos últimos anos no mercado é a
dos "fundos abutre" -investidores mais atrevidos, que andam atrás de
papéis "micados" para compra e aposta na sua recuperação. São
ousados, exigem taxas de retorno enormes. A própria disputa em torno
dos despojos das elétricas, depois da crise do apagão, deu uma idéia
sobre o potencial de ganho nessas ações sobre empresas em situação
pré-falimentar. É o caso dos aventureiros que se encastelaram no TGV
(Trabalhadores do Grupo Varig) e passaram a falar em nome de seus
funcionários. Deveriam ser processados pela perda de valor da
companhia nesses dias em que conseguiram postergar soluções para ela.
Ou do fundo Matlin Patterson, que adquiriu a VarigLog, que pertence a
essa família dos "fundos abutre", da mesma natureza do Ashmore, fundo
londrino que comprou bônus de empresas privadas argentinas no auge da
moratória. Da Ceisa, holding controladora do maior gasoduto da
Argentina, a Ashmore comprou US$ 250 milhões de bônus por US$ 65
milhões. A cada dia que passa, a Varig perde mercado, perde valor por
conta desses interesses, que vão postergando como podem as decisões
judiciais até a empresa "micar" e poder ser adquirida na bacia das
almas. E aí aparece a falta de coragem de correr riscos dos juízes do
processo. Hoje, em São Paulo, há 2.500 novos ônibus correndo com
carrocerias da marca Caio. Trata-se de uma empresa falida. Sua
falência, aliás, ocorreu antes da promulgação da nova Lei das
Falências e foi a pedido dos próprios controladores. O que fez o juiz
Ítalo Morelli? Já tinha presenciado outras falências em que as
empresas eram fechadas, as instalações, lacradas, e, pouco tempo
depois, depredadas, saqueadas, perdendo-se tudo. Aliás, os mais
antigos se lembram bem do que ocorreu com a falência da Trol. Tudo
viraria pó. Morelli resolveu ousar. Não tinha instrumentos na Lei de
Falências anterior, mas tinha bom senso, coragem e o apoio do artigo
5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que reza que o juiz deve ter
sempre norte dentro dos fins sociais a que ela se destina. Fechar a
empresa significaria jogar fora 500 empregos, marcas, instalações e
qualquer possibilidade de ressarcir os credores. Decidiu, então,
alugar a fábrica: máquinas, marca e empresa funcionando. Mais que
isso, se fosse adotar processos convencionais de licitação, como o
mercado é dinâmico, a empresa perderia market share. O juiz decidiu,
então, arrendá-la por prazo determinado a um grupo idôneo. Alguns
grupos tentaram melar o arrendamento, mas o Tribunal de Justiça de
São Paulo manteve a sentença do juiz. Morreli exigiu garantias,
seguros, cartas de fiança bancária. Em um ano e meio, só o
arrendamento proporcionou R$ 5 milhões para o pagamento de passivos.
Hoje em dia, de 500, a Caio passou a ter 2.500 funcionários. Agora, a
empresa vai ser colocada à venda, em leilão, valendo muito mais do
que na época da decretação da falência. Os passivos trabalhistas já
estão praticamente quitados. Com o leilão, todos os credores,
inclusive os quirografários, deverão ser integralmente pagos.