As angústias de dois astros da seleção e as
alegres aventuras de um mineiro na Europa
Dois homens tristes habitavam a concentração da seleção brasileira na
Alemanha, até o jogo contra o Japão. Um se chama Ronaldo. O outro
também se chama Ronaldo. A vitória folgada, com dois gols de um dos
Ronaldos e boa atuação do outro, aliviou-lhes a situação. Até quando?
Já se gastou muito comentário tentando explicar por que nem um nem
outro começaram a Copa do jeito que se esperava deles. Como uma tese
a mais ou a menos não faz diferença, aqui vai outra: o problema é
eles terem o mesmo nome. A questão é de uma clareza solar. Quem
mandou se chamarem, os dois, Ronaldo?
Houve tempo, no futebol, em que quando havia dois jogadores de nome
igual um era chamado de "Primeiro" e o outro de "Segundo". Assim, se
havia dois Silvas no time, um era o Silva Primeiro e o outro o Silva
Segundo. Adotava-se o sistema dos reis e dos papas. Mas, ao contrário
do que ocorre nos reinos ou no papado, o "Segundo", mesmo que jogasse
muito, lembraria sempre uma réplica menor do "Primeiro". Mais
recentemente, passou-se a distinguir os jogadores homônimos pelo
estado de origem. Entre muitos outros casos semelhantes, temos o
Juninho Pernambucano e o Juninho Paulista. Pelo menos, ninguém fica
com o estigma de "segundo". Mas a homonímia continua a gerar efeitos
desagradáveis. O Juninho Paulista era apenas "Juninho" até o outro
cruzar seu caminho. Passou a ser "Juninho Paulista" e nunca mais foi
o mesmo.
O Ronaldo mais velho, também conhecido como Ronaldo Fenômeno, reinava
absoluto com esse nome. Aliás, nem Ronaldo era. Era "Ronaldinho".
Chegou o outro – e era "Ronaldinho" também. O nome era tão igual que
precisou vir acompanhado de um "Gaúcho". O impacto, imenso, da
chegada desse outro até acabou rebatizando o antigo Ronaldinho de
Ronaldo. Eis a nova situação: ele, o grande, o incomparável primeiro
Ronaldinho, não só tinha sua supremacia futebolística desafiada por
um recém-chegado como até o nome lhe era usurpado. Os dois se dão
bem, vivem trocando sorrisos e brincadeiras. Mas, no fundo, no
fundo... Como pode se sentir um Ronaldo tão brutalmente atropelado
por outro Ronaldo? Quanto a esse outro Ronaldo, o Gaúcho, quando no
mesmo time que o primeiro, não pode se sentir à vontade. Enfrenta o
constrangimento, talvez até o sentimento de culpa, do aluno que não
só supera o mestre como lhe herda os títulos e até lhe rouba o nome.
Se um dos dois se chamasse Raimundo, não seria uma rima, mas podia
ser uma solução.
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Para os dois Ronaldos, assim como para outros jogadores, a Copa do
Mundo traz ansiedades, mas para o seu Juá é só alegria. Seu Juá, ou
Juarez Pinheiro Guedes, que se apresenta também com o elegante
apelido de "Boleirão", é o pai de Fred, o centroavante reserva da
seleção, ex-jogador do Cruzeiro, hoje na França. Seu Juá assiste a
todos os jogos do Brasil e ronda a concentração. Nos bares da
Alemanha, faz mágicas como pôr um palito na boca, um só, e depois
tirar muitos, ou pedir para as pessoas se agacharem e fazer surgir um
ovo debaixo delas. Na véspera do jogo contra a Austrália, previu que
o filho entraria no time e faria um gol, e foi o que aconteceu.
Naquela noite, para comemorar, tomou "uns vinte uísques". Também está
tentando conquistar uma alemã (ele é viúvo). Ainda não conseguiu. De
vez em quando sai da Alemanha e volta de carro à casa de Fred, na
França. É para comer arroz com feijão.
Vai se sabendo da vida do pai de Fred na Alemanha pelo blog que ele
inaugurou na internet. "De Teófilo Otoni para o mundo" é o slogan do
blog, em homenagem à cidade onde ele e o filho nasceram. O blog
recebe a cada dia dezenas de mensagens, a maioria da região de origem
do blogueiro. Exemplos: "Sou sua vizinha mas não tive oportunidade de
conversar com vc. Parabéns pelo filho maravilhoso"; "Olá meu amigo
Juá, sou funcionário da Ademg. Fiquei conhecendo o primo Venâncio,
gente boa"; "É muito triste saber que seu filho já é comprometido!!!
mas fazer o q né... queria muito entrar na sua família"; "Aqui em
Itambacuri todos ficam orgulhosos por saber que um vizinho nosso faz
parte da seleção"; "Juarez, aqui é betão de t. otoni fui seu goleiro
várias vezes, descola uma camisa do Dida p/ mim". A maioria das
mensagens é de simpatia, mas há exceções. Uma delas: "Ele pode até
ser humilde, mas não deixa de ser um véio mala".
Seu Juá contou à Folha de S.Paulo que Fred "meteu um checão de 12.000
euros" em sua mão. "E já perguntou se eu precisava de mais." Contou
também que levou 38.000 dólares em pedras de sua região para a
Europa. Vendeu-as e levantou 95.000 dólares. No dia seguinte, uma
mensagem enviada ao blog recomendava-lhe cuidado com a Receita
Federal. A maioria dos jogadores da seleção joga na Europa. Alguns
estão por lá há tanto tempo que já se aculturaram. A figura do seu
Juá nas cercanias lhes traz de volta um Brasil bruto, brasileiro