Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, junho 30, 2006

Miriam Leitão Dia de alívio- Jornal O Globo

paneco@oglobo.com.br

O mercado esperou com ansiedade a reunião de ontem, com medo de que o
Fed fosse dar mais sinais de que a economia americana estivesse indo
na direção perigosa de inflação alta e queda de crescimento: a
estagflação. A reunião desfez esse risco quando disse que a inflação
está sendo contida. Isso foi considerado uma ótima notícia e houve
melhora em todos os indicadores. Mesmo assim, é bom lembrar que o
outro lado da notícia é que a economia americana está em desaceleração.

O comunicado do Fomc (Federal Open Market Committee), órgão que
decide a taxa de juros, foi mais tranqüilizador em relação à inflação
mas, ao mesmo tempo, avisou que o mercado imobiliário está esfriando
e o crescimento está desacelerando. Ótimo se forem sinais de um pouso
suave; problema se for uma queda do ritmo de crescimento que atinja a
economia mundial. O que está contendo a inflação americana é a queda
do crescimento, portanto isso é preocupante. Por outro lado, apesar
do clima de alívio que tomou conta do mercado, os juros americanos
podem voltar a subir.

A expectativa em torno da reunião começou a se desfazer nos últimos
dias diante de alguns bons números da economia americana. Um deles,
uma nova revisão do PIB do primeiro trimestre. Nos Estados Unidos,
eles dão seguidos números provisórios do PIB e, depois, divulgam
revisões. Essa foi a última e deu um crescimento de 5,6%. O número
parece estupendo, principalmente diante do nosso magro e festejado
1,4%. Mas a diferença entre os dois é nenhuma. Eles apresentam sempre
o número de um trimestre comparado com o trimestre anterior e
anualizado. Se fizermos a mesma conta com os números do Brasil, vai
dar um crescimento anualizado de 5,7%.

O número de crescimento dos Estados Unidos é bom, mas conta a
história do passado. O que tem ficado claro em alguns indicadores
antecedentes e ontem no comunicado do Fomc é que a economia americana
está esfriando e isso pode afetar o mundo inteiro. Mas, por enquanto,
o que o mercado comemorou foi que o temor de altas sucessivas de
juros nos Estados Unidos ficou afastado. Há quem avalie que os juros
vão subir novamente na próxima reunião, em agosto, mas já não há mais
a sensação de incerteza em relação ao fim desse ciclo de aperto
monetário. Os juros americanos já subiram desde junho de 2004 17
vezes, saindo de 1% para 5,25%.

Ainda é cedo para se comemorar e nada impede que os próprios
analistas que ontem aliviados faziam uma avaliação positiva da
conjuntura usem os mesmos dados da realidade para fomentar nova onda
pessimista. Isso porque nada está resolvido, nenhum problema sumiu no
horizonte: a economia americana continua com um enorme desequilíbrio
em conta corrente, continua com pressões inflacionárias de dimensões
ainda não completamente conhecidas e no meio de um processo de
desaceleração econômica que terá efeito em outros países.

O Brasil passou bem pelos problemas das últimas semanas, em grande
parte por ter hoje indicadores externos muito mais saudáveis do que
teve em outras crises, mas continua com fragilidades que se têm
agravado, como a questão fiscal. O governo tem autorizado gastos
permanentes que ainda não fizeram efeito nas contas públicas, mas
pressões sobre o déficit público já foram contratadas nas concessões
salariais, de salário-mínimo, de aumento de gastos, de liberações pré-
eleitorais. Só a conta dos aumentos salariais concedidos no dia de
ontem chega a R$ 5,75 bilhões. Tudo isso inevitavelmente baterá nas
contas. Esse é um problema grave, avaliam todos os que estão olhando
os números e a trajetória dos gastos de forma profissional.

E, mesmo com tudo o que tem liberado de gasto, o presidente Lula
ontem deu mais uma série de declarações equivocadas sobre o tema,
reclamando por não poder gastar mais do que tem gastado e pedindo
mudanças na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ontem, no Brasil, a reunião do Conselho Monetário Nacional confirmou
o que se previa: a mesma meta de inflação pelo quarto ano consecutivo
para 2008, de 4,5%. E nova queda da Taxa de Juros de Longo Prazo.
Qualquer redução da TJLP significa um aumento do subsídio concedido
pelo governo aos tomadores de dinheiro no BNDES. Os juros são altos,
mesmo os do BNDES, quando comparados com outros países do mundo, mas
o que importa aqui é que o governo se financia a 15,25% e empresta,
desde ontem, a 7,5%. Evidentemente que isso aí é custo.

Se o mundo der uma respirada até a próxima reunião do Fomc, será bom,
mas é cedo para dizer que a instabilidade das últimas semanas foi
resolvida. Ontem foi um bom dia em todos os mercados, mesmo na
Europa, onde eles fecharam antes da decisão do Fomc. Nos últimos
dias, os indicadores brasileiros melhoraram, o risco caiu 20 pontos
percentuais em apenas três dias. Melhor assim, mas aquele ambiente de
excesso de liquidez não vai se repetir apenas porque o mercado viveu
ontem um dia de alívio.

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