Entrevista:O Estado inteligente

domingo, junho 25, 2006

O insubstituível dólar CELSO MING Estado

Água corre morro abaixo, lembra a sabedoria popular. O morro mais
alto da economia mundial são os enormes déficits nas contas externas
dos Estados Unidos, que vão, neste ano, para algo perto dos US$ 800
bilhões.

Se é verdade o que todos os especialistas dizem, ou seja, que esse
rombo não é sustentável e que uma hora terá de ser revertido, então o
destino do dólar é desvalorizar-se para que o produto americano fique
mais barato em dólares e as exportações cresçam; e para que o produto
estrangeiro fique mais caro em dólares e as importações caiam.

Apesar dessa lógica, o dólar segue atraindo investimentos. Se os
mercados enfrentam turbulências, como agora, a primeira coisa que
ocorre é a corrida para o dólar e sua valorização diante das moedas
fortes.

Diante disso, os bancos centrais, que cuidam de patrimônio público,
deveriam ser os primeiros a desconfiar do futuro do dólar. Na semana
passada, até o insuspeito ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos
no governo Clinton, Larry Summers, disse que “os países em
desenvolvimento deveriam vender boa parte das suas reservas em
títulos do Tesouro americano (T-Bonds)” para aplicar em projetos de
desenvolvimento.

No entanto dois terços das reservas em poder dos bancos centrais
estão aplicadas em ativos denominados em dólares, especialmente T-
bonds, cujo retorno, descontada a inflação, é pouca coisa acima de zero.

Por que isso acontece? Em primeiro lugar, porque reserva é reserva.
Quem junta reservas quer preservar valor. Neste momento, nenhum ativo
tem valor absoluto. O ouro, que em outros tempos foi padrão de
referência, não é mais tão confiável. Em 1971, a onça-troy (31,1035
gramas) valia US$ 35; em 1980, saltou para US$ 1,1 mil; em 1999 caiu
para US$ 282; e hoje está à altura dos US$ 580. E se o ouro voltasse
a desempenhar função de reserva de valor, ou não haveria quantidade
suficiente para isso ou seus preços teriam de saltar para o
incomensurável.

Os instrumentos que mais garantem liquidez e reserva de valor são o
dólar e os ativos amarrados a ele, como os T-Bonds.
A função de reserva de valor não explica toda atração que o dólar
exerce. Desempenha, também, a função de meio internacional de troca,
já que os Estados Unidos são o maior parceiro comercial de qualquer
bloco econômico. Se a maioria dos negócios é liquidada em dólares,
convém que as reservas também estejam em dólares.

Outra explicação está relacionada à segurança mundial. Os Estados
Unidos são o Estado mais forte do mundo. Nenhum outro país tem
melhores condições de proteger seus próprios ativos e sua moeda. Quem
está aplicando em dólares conta com a proteção desse escudo.

Além disso, como a maioria dos países é incapaz de garantir mercado
interno para seus produtos, depende do consumo americano. A China só
tem as reservas que tem (US$ 875,1 bilhões, em março) porque não
consegue escoar o que produz para seu mercado interno. Sua estratégia
de desenvolvimento consiste em produzir superávits comerciais cuja
contrapartida são déficits comerciais americanos e a compra de T-Bonds.

Como água corre morro abaixo e essa queda d’água é reforçada em tempo
de chuva, enquanto tantos bancos centrais seguirem reforçando as
reservas com dólares, mais patrimônio privado será amarrado ao dólar.

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