"A acusação de que Lula é um bêbado é o primeiro grande exemplo de
golpe rasteiro
e ofensa pessoal na atual campanha"
A oposição deu agora para acusar Lula de ser bêbado. O primeiro a
fazê-lo foi o senador José Jorge, candidato a vice na chapa do tucano
Geraldo Alckmin. Num encontro partidário, embriagado pela platéia de
30.000 pessoas, disse que Lula "bebe muito, como dizem por aí".
Depois de descer do palanque, questionado sobre a acusação, José
Jorge confirmou, rindo: "Disse isso mesmo". Na semana passada, foi a
vez do pefelista José Roberto Arruda, candidato ao governo do
Distrito Federal. Durante outro encontro de tucanos e pefelistas,
Arruda contou uma anedota na qual descobria que um piloto de avião
era um "companheiro de boteco" e, sem citar nomes, comparou o Brasil
ao avião e Lula ao piloto bêbado. "O Brasil é o avião e eu não
gostaria de encontrar pilotando esse avião um antigo companheiro de
boteco", disse Arruda, aquele que violou o painel eletrônico do
Senado, mentiu da tribuna que não sabia nada da história e depois
confessou da tribuna que sabia da história toda – e renunciou ao
mandato para fugir da cassação. Fez tudo isso sóbrio.
A acusação de que Lula é um bêbado é o primeiro grande exemplo de
golpe rasteiro e ofensa pessoal na atual campanha. O jogador Ronaldo,
que agora voltou a ser fenômeno, pode dizer essas diatribes porque
não é político e vive de jogar futebol – além de estrelar comercial
de cerveja, é claro, que dá mais dinheiro. A oposição, não. É
baixaria que deseduca. A tentativa de desmoralizar um adversário ao
acusá-lo de beber demais é uma tacada do velho moralismo de araque,
que associa a bebida à malandragem e sugere altas virtudes na
abstinência. Não é casual que, ao acusar Lula de beber demais, José
Jorge tenha emendado que ele é "um presidente que não trabalha". Faz
sentido que Lula seja acusado de corrupto, como a oposição tem feito
com base em investigações que trazem indícios monumentais de que ele
sabia de tudo o que ocorria no seu governo – e a corrupção é um
crime. Beber não é crime. Na mais extremada e dolorosa das hipóteses,
é doença.
A família de Lula tem um histórico dramático de excessos com a
bebida. No monumental livro Lula, o Filho do Brasil, escrito pela
jornalista Denise Paraná, fica-se sabendo que sua avó materna, a vó
Otília, "era muito bonita, mas bebia que nem a peste" e que seu pai,
Aristides, "se pudesse beber cinqüenta pingas, ele bebia". A bebida
já levou um irmão de Lula à internação clínica e um meio-irmão à
morte. É público que Lula gosta de beber – prefere uísque, ao
contrário do folclore que lhe atribui gosto pela cachaça – e não há
problema algum nisso. O problema seria o excesso, mas também não se
tem notícia disso, nem de que a bebida tenha causado qualquer
prejuízo ao cumprimento de suas funções presidenciais. Assim, a
tentativa de criminalizar o gosto de Lula pela bebida não passa de um
ranço moralista. Talvez haja, aí, até mesmo um pouco do eco do
preconceito social, que acha elegante o acadêmico beber vinho mas não
tolera que o operário beba cachaça.
Winston Churchill salvou a Inglaterra do nazismo e também gostava de
beber – no almoço, no jantar e antes de se deitar, diariamente.
Quando seus soldados estavam nos arredores de Paris, conclamou:
"Lembrem-se, cavalheiros. Não é só pela França que estamos lutando, é
também pelo champanhe!". Seria pedir demais que nossa oposição
tivesse um pouquinho do humor de Churchill?