Em entrevista recente ao jornal “Valor Econômico”, o ex-presidente do
Banco Central Armínio Fraga conta como conhecer e conversar com
Antonio Palocci, que viria a assumir Ministério da Fazenda no governo
Lula, foi fundamental para ter certeza de que daria para evitar a
quebra do país antes de entregá-lo ao novo governo petista. Mais
adiante, Lula já eleito, quando esse ex-prefeito trotskista de
Ribeirão Preto anunciou o ex-presidente do Banco de Boston, Henrique
Meirelles, para substituir Armínio no Banco Central, ficou claro para
os mercados financeiros mundiais que nenhuma loucura seria feita pelo
tão temível primeiro governo petista.
Mesmo agora, na substituição de Palocci no Ministério da Fazenda,
engolfado pela onda de denúncias que culminou com a quebra do sigilo
bancário do caseiro Francenildo Pereira, houve momentos de incerteza
quanto aos rumos da política econômica quando foi anunciada a escolha
de Guido Mantega, crítico contumaz especialmente da política do Banco
Central. Nada mudou fundamentalmente, mas Mantega teve que dar
repetidas declarações de que nada mudaria, até que os mercados se
convencessem.
Esses são exemplos recentes que mostram a importância dos nomes a
serem escolhidos para a equipe de governo na formação de um ambiente
de estabilidade política no país. Pensando nisso é que o advogado e
ex-ministro João Geraldo Piquet Carneiro, ex-presidente da Comissão
de Ética Pública, e o embaixador e consultor Jório Dauster, ex-
presidente da Vale do Rio Doce, resolveram lançar uma campanha para
que todos os candidatos a presidente da República divulguem, antes
mesmo do primeiro turno, pelo menos os principais elementos de uma
futura equipe de governo: o ministro da Justiça, o ministro da
Fazenda, o ministro das Relações Exteriores e o chefe da Casa Civil.
É o quanto bastaria, segundo eles, para o eleitor saber “quem zelará
pela ética no governo e comandará a Polícia Federal; quem conduzirá a
política econômica e cuidará das contas públicas; quem orientará a
inserção do Brasil no mundo; e quem coordenará as ações dos titulares
de todas as pastas”. Num documento que vai ser divulgado brevemente,
os dois defendem que “o cenário de incertezas quanto à
governabilidade torna imperativo que os candidatos, independentemente
dos esquemas de coligação partidária utilizados nas eleições,
revelem, antes do primeiro turno, se não todos os nomes do primeiro
nível de governo, ao menos os de seus quatro auxiliares-chave”.
Mas, afirma o documento, não basta apenas indicar os nomes. “É
fundamental que cada indicado se comprometa publicamente com o
programa enunciado pelo candidato”. Piquet Carneiro e Dauster acham
que tão importantes quanto os atributos pessoais de cada candidato
serão “as garantias que cada um deles oferecerá ao eleitorado no que
diz respeito à governabilidade do país. E tais garantias, sobretudo
após a imensa crise ética que se abateu sobre o Executivo e o
Congresso, passam hoje necessariamente pela escolha dos principais
auxiliares do presidente da República”.
Depois de fazerem uma análise do sistema parlamentarista utilizado em
vários países, que dá previsibilidade à escolha do gabinete, e do
sistema presidencialista dos Estados Unidos que, baseado em dois
grandes partidos, consideram próximo ao sistema parlamentarista
tradicional, Piquet Carneiro e Dauster ressaltam que “no
presidencialismo brasileiro, o mistério que cerca a formação da
equipe de governo começa logo após a divulgação dos resultados
eleitorais, prolonga-se pela maior parte do mês de dezembro e não
raro só se desfaz às vésperas do Ano Novo”.
Eles atribuem essa situação ao descasamento entre as datas de posse
do presidente e do novo Congresso, e à necessidade de construção da
base de apoio parlamentar ao presidente da República, que extrapola a
composição partidária em nível nacional.
“O Executivo vê-se obrigado a atender também a recomposição de forças
decorrente das eleições estaduais e do grau de influência que os
novos governadores terão sobre as respectivas bancadas no Congresso,
bem como assegurar uma relativa representatividade regional ao
Ministério. Ou seja, a partir do resultado das eleições, as
preferências dos eleitores são rapidamente substituídas por
transações políticas urdidas à margem da opinião pública, erodindo a
essência democrática do processo eleitoral”.
Eles classificam de “nefasta” a prática de surpreender o país, na
véspera da posse, “com nomes tirados do bolso do colete”, mas alertam
que hoje, essa prática torna-se “um risco insuportável à luz do
fortíssimo impacto que as decisões políticas têm sobre a realidade
econômica e social”. O lento processo de formação da equipe do
presidente “estimula a especulação financeira e paralisa, durante
meses, a administração pública”.
O documento de Piquet Carneiro e Jório Dauster não faz referências
específicas a candidatos, mas é evidente que o rumo que tomará um
eventual segundo mandato do presidente Lula é o que ainda está por
ser decifrado. As negociações com o PMDB para um governo
compartilhado, e o provável enfraquecimento do PT nas eleições,
indicam um caminho moderado para esse segundo mandato.
Mas, mesmo combalido, há a pressão do PT por uma mudança radical na
política econômica, já especificada no programa de governo aprovado
pelo partido. E a ameaça da esquerda ainda petista expressa pelo
filósofa Marilena Chauí, que disse que ou Lula governa com o programa
do PT ou “é tchau e benção”.
Por outro lado, a se confirmar a reeleição baseada principalmente no
carisma pessoal de Lula, e no sucesso dos programas
assistencialistas, fica sempre no ar a ameaça de um governo populista
à la Chávez, acima dos partidos, e longe do equilíbrio fiscal.
Discutir os nomes e os programas de governo pode ser uma boa maneira
de clarificar as intenções políticas.