Jornal O Globo
Para se ganhar eleição no Brasil, o candidato depende de máquina
eleitoral no grotão; dos evangélicos, na periferia em grande parte, e
da Igreja Católica onde eventualmente existam movimentos sociais; e
de um discurso competitivo nos grandes centros. A definição é do
cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, que lançou
recentemente um estudo sobre a religião na sociedade brasileira, no
qual analisa as opções religiosas em 19 capitais brasileiras.
Ainda não existem cruzamentos que permitam tirar conclusões sobre a
influência da religião no voto do brasileiro, mas com base em estudos
anteriores sobre eleições presidenciais e para governador nos
principais estados, Romero Jacob pode fazer algumas ilações sobre a
influência do voto evangélico na próxima eleição presidencial.
A saída de cena, pelo menos como protagonista, do ex-governador
Garotinho não põe em nível nacional uma disputa entre os evangélicos,
apesar da confirmação de que o vice de Lula continuará sendo José
Alencar, agora filiado ao Partido Republicano fundado recentemente
pelo bispo Edir Macedo, da Igreja Universal.
Mas a candidatura do bispo Crivella para governador do Rio de
Janeiro, pelo mesmo PRB, dará a Lula um palanque evangélico, enquanto
Garotinho, através do pequeno PSC, lançará um candidato laranja para
tentar ocupar um pequeno espaço nos programas oficiais de televisão e
rádio, a partir de 15 de agosto, para jogar toda sua influência,
inclusive entre os evangélicos, contra Lula.
Os números que estão no estudo “Religião e sociedade em capitais
brasileiras”, de Romero Jacob com os pesquisadores Dora Rodrigues
Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, mostram a existência do
que chamam de “anéis pentecostais” nas periferias pobres de todas as
regiões metropolitanas, fenômeno presente quer em Teresina, que é a
cidade mais católica das 19 capitais pesquisadas, quanto em Goiânia,
que é a menos católica.
Os evangélicos chegam a ser 30% nas três regiões metropolitanas mais
importantes: Rio, São Paulo e Minas. Romero Jacob ressalta que
Garotinho se deslocou do palanque para o púlpito, e Crivella fez o
caminho inverso. Segundo ele, começa a haver sinais de disputas
internas no mundo evangélico. Cerca de 50% dos evangélicos no Brasil
são da Assembléia de Deus e, no Rio, ela é mais forte na periferia da
periferia, como a periferia de Nova Iguaçu, por exemplo.
Nessa periferia mais pobre a Assembléia de Deus atua entre os muito
pobres, mas, segundo ele, a Igreja Universal não está interessada
nesse nicho porque, sendo partidários da teologia da prosperidade,
estão interessados em pegar a baixa classe media, ávida do consumo e
da ascensão social, que não está na periferia pobre. Na periferia
pobre de Magé, Duque de Caxias, Nova Iguaçu está o Bolsa Família, e o
candidato Lula se beneficiará nos dois planos.
Pode haver uma tendência à divisão do eleitorado evangélico, assim
como entre os católicos. Os mais conservadores tenderão a votar no
candidato Geraldo Alckmin, do PSDB. O candidato tucano tem pedido
para visitar o bispo em toda cidade que vai, o que pode marcá-lo como
o candidato católico. Os setores da esquerda da Igreja tenderiam em
princípio para Lula, mas pode ser que o descontentamento desses
setores faça os votos migrarem para Heloísa Helena.
O fato é que, analisa Romero Jacob, o mundo católico vai marchar
dividido, ao contrário do que aconteceu nas eleições para prefeito do
Rio em 2004. Sem afirmar que todo voto de Crivella era de
pentecostais, e que todo pentecostal votou em Crivella, Cesar Jacob
ressalta que há uma enorme semelhança, o que pode acontecer novamente
agora, tanto na eleição presidencial quanto na de governador.
Cesar Maia soube explorar muito bem essa disputa religiosa na eleição
para prefeito em 2002, segundo a análise de Romero Jacob. Ele começou
e terminou a campanha subindo a escadaria da Igreja da Penha,
sinalizando que havia uma disputa religiosa, e que ele era o
candidato dos católicos.
Embora esta mesma situação não esteja posta em termos nacionais, até
porque não há mais um candidato evangélico disputando a Presidência,
se José Alencar for o candidato a vice é muito provável que a Igreja
Universal se empenhe muito para fazer uma boa bancada para o PRB.
Resta saber como a Igreja Católica reagirá a isso, o que pode vir a
ser um fator negativo para Lula. Essa associação do José Alencar, que
é católico, com a Igreja Universal também é muito complicada,
ressalta Romero Jacob.
Pode-se ter uma idéia bastante clara do que será a disputa pelo
governo do Rio, que terá o bispo Crivella como protagonista contra a
máquina do ex-governador Garotinho, que apóia o candidato do PMDB,
Sérgio Cabral, e lutará ao mesmo tempo contra Crivella e contra Lula
no plano federal.
Constata-se, por exemplo, que a Igreja Católica, entre 1991 e 2000,
perdeu, em nível nacional, quase tanta penetração quanto aumentou a
dos pentecostais. Entre 19 capitais pesquisadas, o Rio de Janeiro,
com 61% da população, só tem mais católicos que Goiânia, a capital
com menor índice de católicos e maior de pentecostais. Na Região
Metropolitana do Rio, o número de católicos cai para 48%, como também
nas áreas mais pobres, como Santa Cruz e Campo Grande.
O crescimento dos pentecostais na periferia do Rio pode ser
constatado ao comparar-se os censos de 1991 e 2000, e é quase na
mesma proporção da redução do número de católicos. Segundo Romero
Jacob, há uma série de indicações que mostram que as igrejas
evangélicas trabalham de uma maneira coesa quando o candidato é um
irmão. O ex-bispo Rodrigues falava com orgulho que o eleitorado era
muito disciplinado:se os pastores mandassem votar num poste, eles
votariam.