Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, junho 29, 2006

O arrombamento das instituições artigo - Marco Antonio Rocha


O Estado de S. Paulo
26/6/2006

Um espectro ronda o Brasil. Nada que ver com aquele de que falava
Karl Marx no seu Manifesto, na Europa de 1848. Não, não é o do
comunismo. É o do lulismo, e, ao que parece, sua estratégia tem três
etapas. Na primeira, em marcha, Lula e seu estado-maior se
encarregaram da limpeza do terreno, que consistiu, basicamente, em
tentar arrasar o pouco que as instituições nacionais ainda guardavam
de prestígio, acatação e consideração junto ao grande público. A
segunda, no devido tempo, consistirá em propor à população,
desiludida, novas instituições dentro de uma nova ordem -
autenticamente “republicana”, diria o ministro Thomaz Bastos. Bem-
sucedidas as duas etapas, a terceira imporá aos recalcitrantes a
submissão ou a exclusão.

Muitos dirão que isso é pura ficção jornalística. Mas os sinais
indicadores - palavras e fatos - não são nada fictícios. Vejamos
algumas palavras, recentes, para o futuro mandato Lula. Primeiro, as
de Ricardo Berzoini, que se tem comportado como uma espécie de
candidato a gauleiter: “(...) estamos promovendo a participação ampla
e plural da sociedade na construção de um plano que projete um
período de novos avanços.” E corroboradas por M. Chauí, A Pensadora:
“Vamos fazer um programa, o governo vai governar de acordo com ele.
Senão, é tchau e bênção.” Faltou lembrar que governos governam
segundo planos elaborados, discutidos e aprovados por Parlamentos -
pelo menos nas democracias. Mas eis aí o cediço sonho de governar sem
instituições, de maneira direta, com “a participação ampla e plural
da sociedade”.

Muito se engana quem acha que o jargão disfarça a falta de projetos,
visa a adiar problemas e a dar a impressão de “humildade
democrática”, como disse Arnaldo Jabor em seu artigo da última terça-
feira, neste jornal. Primeiro, não há falta de projetos - é que “O
Projeto” é não-divulgável. Mas dele nos dá conta uma terceira voz,
muito conhecedora do esprit de corps da cúpula petista - Cristovam
Buarque: “O meu medo é que ele (Lula) queira um terceiro mandato (por
meio de uma reforma da Constituição), como fez Chávez, como fez
Fujimori.” E mais: “Eu temo que ele tenda a governar diretamente com
o povo, tirando a intermediação do Congresso.”

Segundo, a “humildade democrática” pode ter existido no PT em tempos
idos, mas foi para o brejo com a atitude desafiadora, oficializada
pela legenda, em convenção, ao avalizar o eufemismo “recursos não
contabilizados” para designar a podridão do caixa 2 e com a parábola
do chefe aos discípulos - “Fizemos o que os outros sempre fizeram” -
lançada em Paris, que mostram o grande menosprezo do bando pela
opinião e pelos sentimentos do cidadão honesto.

Terceiro, ao conclamar “ampla participação da sociedade” o objetivo
não é adiar problemas: é não resolvê-los e até impedir que se
resolvam, para provar que pela via das instituições normais eles não
têm mesmo solução. É o que proclamava, aliás, a centúria del fascio,
arrebanhada por um herdeiro d e engenho de açúcar, naquele ataque
contra o Congresso. Em nome de quê? De fazer avançar a reforma
agrária? Mas a reforma agrária está avançando, e muito. Na verdade,
está sendo realizada no Brasil a mais ampla reforma agrária
democrática que já foi feita no planeta. Então, o objetivo não era
fazer avançar o que já está avançando, era fazer o público achar que
o Congresso é que atrasa a reforma. Faz parte da tática de desgaste
da representação parlamentar.

Ao se servir do “mensalão” de Marcos Valério, o lulismo visava a
controlar a Casa das Leis. Talvez não pensasse que a própria denúncia
do esquema acabaria por contribuir, ainda mais, para a desmoralização
da instituição parlamentar. As CPIs atraíram grande atenção do
público para duas pusilanimidades: a do PT e dos seus agentes e a da
“pizza”, que acabou acontecendo - e prevalecendo aos olhos do
público. O Congresso saiu mais desmoralizado do que o próprio PT e do
que o chefe do PT.
Há um lucro colateral que ainda vai ser contabilizado pelos
estrategistas do lulismo: a desmoralização da Procuradoria Geral da
República, que representou contra 40 falcatrueiros, e da CPI dos
Bingos, que indiciou 79 malandros. Nem os 40 nem os 79 vão sofrer
nada. Por quê? Porque as duas coisas irão ao Supremo Tribunal Federal
(STF).

E nós já vimos em andamento a tática de desgaste do Judiciário, que
para ser armada exigiu o prévio “aparelhamento” do STF. Disso se
encarregou pessoalmente o chefe. Dos 11 ministros, 6 são indicação
sua. E o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em artigo
publicado quarta-feira no Estado (O novo Supremo), se incumbia de
responder, antecipadamente, às suspeitas a respeito da isenção do
STF: “O risco” - diz ele - “de aparelhamento do Supremo por um
determinado presidente é controlado justamente pela necessidade de
aprovação da indicação pelo Senado Federal, que, se não tem o hábito
de rejeitar indicações (grifo nosso), exerce um papel dissuasório na
eventual intenção do Executivo de realizar indicações inapropriadas”.
E o Senado é, por acaso, imune a “aparelhamentos”?

Essas e outras doutas ponderações do nosso ministro, no referido
artigo, o tornam, desde já, candidato a ingressar na ilustre linhagem
de juristas pátrios que, desde o venerável doutor Francisco Campos
(apelidado Chico Ciência), de Getúlio Vargas, passando por alguns ex-
professores meus, como Gama e Silva e Alfredo Buzaid, formam no
denodado escrete dos garimpeiros de doutrinas legitimadoras de
interrupções da democracia.

Outra decisiva instituição nacional vem sendo desafiada desde que o
nosso presidente, dizendo não saber se seria ou não candidato à
reeleição, iniciou uma nada disfarçada campanha eleitoral, ao arrepio
da lei. Cada inauguração, cada comparecimento desnecessário a eventos
banais, cada conjunto de fotos levantando os braços para comemorar
coisa nenhuma, cada cena de TV afagando criancinhas em paragens
remotas são meios de testar o tutano da Justiça Eleitoral - como o
reajuste de servidores, que opôs os dois presidentes: o da República
e o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello.

Então, com o Legislativo, o Judiciário e o sistema eleitoral sendo
levados no bico e ao desgaste, desculpem-me os colegas do jornalismo
econômico - legitimamente preocupados com rombos no INSS, nas contas
públicas, na relação dívida/PIB, nas reservas cambiais e demais
problemas de uma administração séria -, mas o Grande Arrombamento,
que decisivamente determinará os destinos deste país, é o que está
sendo cavilosamente cavado na imagem pública das instituições que nos
garantem o status internacional de nação democrática.

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