26/6/2006
O brasileiro deverá contentar-se por mais dois anos, pelo menos, com
uma inflação maior que a das outras economias emergentes. O governo
deve manter em 4,5% a meta de inflação para 2008, repetindo o alvo
fixado para este ano e para o próximo. Essa é a tendência revelada em
Brasília por fontes da área econômica. O objetivo, segundo dizem, é
evitar nova alta dos juros, para não atrapalhar o crescimento da
economia. Há o risco de novas pressões inflacionárias em 2007,
argumentam. Além disso, já não se poderá dispor de um importante
fator de contenção de preços: a valorização do real em relação ao dólar.
A argumentação, à primeira vista, é bem fundada. Não vale a pena um
esforço extra para derrubar a inflação um pouco mais, se essa
política impuser um novo entrave à expansão da economia e do emprego.
O custo seria desproporcional ao benefício. Mas basta um pouco mais
de atenção aos fatos para se descartar esse raciocínio.
Para começar, a política monetária não é o único instrumento de
combate à inflação. As pressões inflacionárias teriam sido mais
suaves, nos últimos anos, se o governo houvesse controlado seus
gastos com maior seriedade. Como isso não ocorreu, a economia
brasileira sofreu dois arrochos, um causado pela alta dos juros
básicos, outro provocado pelo aumento da carga tributária.
É bom não esquecer esse detalhe: para se financiar, o governo disputa
o crédito com o setor privado e, além disso, consome quase 40% do
Produto Interno Bruto (PIB) sob a forma de impostos e contribuições.
A voracidade fiscal não vai diminuir nos próximos anos, porque nada
se está fazendo, em Brasília, para controlar os gastos do setor
público. Ocorre o contrário. Com bondades fiscais sem muito critério,
aumentos salariais para o funcionalismo e elevação de encargos para a
Previdência, as autoridades preparam maiores pressões sobre as contas
públicas. O resultado será sentido plenamente a partir de 2007.
Os dirigentes do BC, até agora, têm mostrado preocupação com
possíveis pressões originárias do exterior. Daí seu cuidado com a
redução dos juros, desde a última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom). Mas em breve terão de levar em conta, igualmente,
os efeitos prováveis da irresponsabilidade fiscal deste ano.
A presença de todos esses fatores de risco pode até justificar a
manutenção, para 2007, da meta de inflação de 4,5%, com tolerância de
2 pontos porcentuais. Mesmo esse objetivo, pouco ambicioso em termos
internacionais, pode ser considerado difícil de alcançar, neste
momento, em vista da insegurança internacional e dos custos fiscais
da eleição.
Pode-se admitir essa meta, com algum realismo, pelo menos como parte
da ressaca eleitoral. O País precisará de um ano para se
desintoxicar. Nesse caso, não valerá a pena um esforço maior para
derrubar a inflação um pouco mais.
Mas a meta de inflação para 2008 é algo muito diferente. Manter a
meta de 4,5% é anunciar ao Brasil e ao mundo uma política de
tolerância à alta de preços. Não há como justificar esse
afrouxamento, com dois anos de antecedência, quando nem sequer há
certeza quanto aos problemas no front internacional. Se houver graves
problemas externos, será possível ajustar a meta às novas condições.
Isso todos poderão compreender.
Neste momento, muito mais produtivo seria o governo apontar um avanço
da política antiinflacionária a partir de 2008. Isso reforçaria a sua
credibilidade, no caso de reeleição. Conservar a meta de 4,5% para
2008 equivalerá a anunciar uma política de maior leniência com a alta
de preços. Isso afetará as expectativas de empresários e
trabalhadores e o resultado, inevitavelmente, será uma dificuldade
maior para a contenção dos preços.
A maioria dos emergentes tem exibido preços mais estáveis que os do
Brasil. Muitos trabalham com metas de inflação mais severas. A África
do Sul adotou para este ano o intervalo de 3% a 6%, sem tolerância
além desses limites. México e Chile trabalham com meta de 3%, com 1
ponto porcentual de margem. O alvo da Tailândia é a faixa de zero a
3,5%. O da Colômbia, 4,5%, com 0,5 ponto de tolerância. Por que o
Brasil deve ser condenado a uma inflação maior? Só porque o governo
quer gastar sem controle?