Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, junho 27, 2006

Míriam Leitão - Caminho da Índia






Panorama Econômico
O Globo
27/6/2006

O Brasil privatizou sua siderurgia para que o setor crescesse sem as amarras do Estado, mas desde ontem uma das melhores siderúrgicas brasileiras é uma pequena parte da maior siderúrgica do mundo, controlada por uma família indiana. Esse é o lado desconfortável da globalização mas, se ficasse tudo como era no começo dos anos 90, o Brasil teria perdido suas empresas para os crônicos prejuízos da siderurgia estatal.

O grupo indiano Mittal tem pouco mais de 20 anos. Começou comprando pequenas siderúrgicas quebradas no mundo inteiro; muitas delas, nos processos de privatização. Cresceu e passou a dar lances mais ousados, como as compras que fez no mercado americano. Há cinco meses fez uma oferta hostil — como se diz no mundo dos negócios — de compra das ações da Arcelor. A própria Arcelor já tinha sido formada pela junção de outras siderúrgicas européias e compras em outros mercados, como no Brasil. Aqui ficou com a Vega do Sul, Belgo Mineira, Acesita e Companhia Siderúrgica de Tubarão. A empresa francesa resistiu o que pôde, tentou até se vender para os russos, mas acabou na mão de um clã indiano. Tentou se esconder atrás do orgulho nacional francês, mas nada funcionou. Até porque a Mittal se finge de européia, por ter sede em Roterdã.

Há vários pontos de dúvida. O principal: que importância terá para um grupo indiano — que tem negócios no mundo inteiro, grandes siderúrgicas na Europa e nos Estados Unidos — três empresas no Brasil? O centro de decisões cada vez mais distante pode dar pouca atenção a empresas que, para o país, são muito importantes. A produção no Brasil será menos de 10% da produção da nova empresa: Mittal-Arcelor.

O que os especialistas dizem é que esse processo de consolidação dos negócios na siderurgia ainda está longe de acabar, que outros grupos vão se juntar e outras empresas serão compradas. O setor sempre foi muito pulverizado e só agora, com as fusões e aquisições, é que está batendo recordes de lucros. Claro que parte desses lucros é derivada do aumento de preço do aço provocado pela pressão compradora chinesa. Nos últimos dois anos, as siderúrgicas bateram recordes históricos de lucros.

Os dois lados que se juntam hoje são ambos clientes da Vale do Rio Doce. A mineradora brasileira vende 22 milhões de toneladas para a Arcelor e 11 milhões de toneladas para a Mittal. Os dois juntos ainda estão longe do volume exportado pela Vale para a China: 73 milhões de toneladas.

O Brasil nos últimos dias viveu duas experiências da globalização. Por um lado, viu boas e tradicionais empresas brasileiras virarem negócios periféricos de um grupo indiano; do outro, por uma legislação obsoleta, luta contra o único grupo que se dispõe a comprar a Varig. A lei de que o capital nacional tem que controlar 80% das empresas aéreas caducou. Mas é a ela que recorrem os que querem vetar qualquer possibilidade de que a Varig sobreviva. Ontem mesmo o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas decidiu entrar com um mandado de segurança contra a venda da VarigLog para a Volo, alegando que o negócio fere a lei que limita a presença estrangeira em 20%. Por esse raciocínio, é preferível ter a empresa fechada do que vê-la sendo comprada por um grupo que tenha mais de 20% de capital estrangeiro.

O adversário do dia

O adversário que o Brasil encontrará hoje no gramado está se preparando para uma grande festa. Nada a ver com o resultado do jogo. No ano que vem, quando fizer 50 anos de país independente, Gana pretende comemorar de uma forma que o faça mais conhecido no mundo.

Ele já foi a Costa do Ouro, já foi um dos maiores exportadores de escravos para países escravocratas como o Brasil, já foi saqueado, dividido, reunido aleatoriamente, como outras nações africanas. Já combateu a Inglaterra em guerras perdidas e já foi nova pátria para escravos libertos no Brasil ou expatriados após revoltas. Os negros brasileiros retornados à África formaram a comunidade Tabom, que vive em Gana.

Entre os países da África Subsaariana, Gana não é tão pobre, mas tem uma renda per capita que é a metade da renda africana. O governo é eleito, a economia está em crescimento, principalmente puxada pela alta dos preços do cacau. A língua oficial é o inglês, mas lá se fala quase uma centena de idiomas. É o segundo país de maior incidência de Aids na região.

O Brasil tem pouco a comprar de Gana. Para se ter uma idéia, as vendas para lá equivalem a 0,18% das nossas exportações e as importações, por sua vez, são 0,0007%. Este ano, importamos US$ 225 mil, sendo que US$ 223 mil de pasta de cacau. Nossa pauta de importações de Gana tem apenas seis itens, sendo que um deles é um móvel de US$ 12. O Brasil exportou no ano passado para lá 422 vezes mais que importou; vendemos US$ 218,871 milhões e compramos US$ 518 mil. Mas hoje, na Copa, eles são o país mais importante para nós: aquele que temos de vencer para seguir adiante. Para eles, é uma vitória ter chegado até aqui, na primeira Copa que disputam.

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