Entrevista:O Estado inteligente

sábado, junho 17, 2006

Miriam Leitão Batalha da carne

Panorama Econômico - Jornal O Globo

paneco@oglobo.com.br

Febre aftosa, gripe aviária, embargos de grandes consumidores e mesmo
a queda no consumo em si; tudo isso tem feito os exportadores de
carne bovina e de frango trabalharem duro neste 2006 depois de um
2005 muito bom. Em volume, as bovinas têm mantido o patamar, mas o
frango cai 5%. Para enfrentar a maré contra, no caso do boi, os
exportadores estão tentando aumentar a venda de cortes melhores; no
das aves, reduzem a produção para não ter tanto impacto no preço.

No caso das carnes vermelhas, como aumentou o preço em dólar, não
houve ainda queda no valor, mas uma alta de 16%. No frango, o valor
deste ano está igual ao do ano passado, mas deve piorar no segundo
semestre, quando pode haver uma queda de até 10% no volume vendido.
Do Brasil, saem hoje 42% do frango comercializado mundialmente. No
caso da carne bovina, somos 1/3 do comércio internacional. Na nossa
pauta de exportações, as carnes dividem com a soja o primeiro lugar
entre os itens mais vendidos. Por esses dados, já fica claro o quanto
o setor é importante na economia. Ultimamente, está num dos seus
momentos difíceis e olha que eles têm prática quando se trata de
vencer barreiras.

Quando os exportadores de frango começaram a expandir as fronteiras,
encontraram várias restrições. Na Europa, exigia-se que o frango
fosse assim ou assado. A cada obstáculo ultrapassado, eles criavam
mais um e os brasileiros davam um jeito. Quando quiseram abrir para o
Oriente Médio, aprenderam com religiosos como cortar o frango segundo
os padrões muçulmanos. Deu certo. Até bem pouco, o Oriente Médio era
o principal destino das vendas de frango. Mas com a gripe aviária,
elas diminuíram 25% de janeiro a maio.

— Quando aparecem casos da gripe, a população pára imediatamente de
consumir frango. Na Turquia, por exemplo, as vendas chegaram a cair
95%. Na Itália, 44%. Na Ásia, este ciclo já está mais fraco, mas
ainda continua forte no Oriente Médio — contou o presidente executivo
da Associação dos Exportadores de Frango, Ricardo Gonçalves.

Ele acredita que o problema esteja mais intenso no Oriente Médio
porque lá, como o consumidor não sente confiança na fiscalização
sanitária, prefere simplesmente não consumir o produto. Mesmo que as
exportações para a África e a América do Sul tenham crescido, não
foram suficientes para compensar a queda no Oriente.

— Os Estados Unidos estão aumentando as suas vendas, mas porque em
seus principais compradores não teve casos de gripe aviária. O que
está havendo não é uma redistribuição de mercado; é uma queda mesmo —
afirma Gonçalves.

Com a diminuição da demanda por frango, caiu também o preço. Em
dezembro, ele chegara a US$ 1,45 por quilo e, no mês passado, já
estava em US$ 1,10. Para combater a superoferta que derruba o preço,
a Abef e a União de Avicultores sugeriram um corte de 25% na
produção. Algumas fábricas deram férias coletivas; outras acabaram
com um dos turnos de trabalho.

Mas apesar de tudo isso estar acontecendo com o real mais forte,
queixa constante dos exportadores, Gonçalves acredita que o câmbio
tem efeito apenas a curto prazo.

O preço baixo dos alimentos em geral — e do frango em particular —
pode infelicitar os produtores, mas é mais um dos ativos eleitorais
do presidente Lula, na opinião dos analistas políticos.

Para os produtores, principalmente de carnes bovinas, o real em alta
tem sido considerado, sim, junto com os embargos à carne brasileira,
um dos vilões deste ano. A queda no consumo de aves por causa do medo
da gripe não chegou a aumentar o consumo de proteína bovina.

Para a Rússia, vão hoje ainda 18% da carne vendida pelo Brasil; mas
já foram 20%. No ano passado, com a identificação de um foco de febre
aftosa, o país cancelou as importações de quase todos os estados
brasileiros; ficaram fora da restrição Rondônia, Acre, Rio Grande do
Sul e Espírito Santo. Nesta semana, o ministro Roberto Rodrigues
esteve na Rússia justamente para tentar resolver esse problema e o da
carne suína. Na visão de Pratini de Moraes, que também já esteve no
ministério e hoje é representante dos exportadores de carne, o
problema não é sanitário.

— Quem comanda as restrições são os interesses comerciais. O Brasil
já resolveu os casos recentes de aftosa — diz ele.

Mas Pratini reconhece que ainda há problemas com a rastreabilidade
(poder dizer a origem do boi). Como alguns animais importados são
mais baratos, eles acabam entrando no Brasil sem controle sanitário.

Uma outra batalha atual nas carnes é contra o embargo chileno. O
Chile, que era o quarto maior comprador, com 8%, fechou as fronteiras
desde outubro para o boi brasileiro. Para compensar as perdas, o
Brasil tem aumentado as vendas para países emergentes cuja população
está com mais poder de consumo, como Egito, hoje o segundo mercado, e
Bulgária. Temos melhorado também a qualidade dos cortes exportados.

— A Argentina vende carne há 100 anos, é natural que sejam bons
nisso, mas temos aumentado as vendas, por exemplo, de colchão duro
para a Itália para fazer bresaola ; de carpaccio pronto e carnes em
bife para o Norte da Europa — conta Pratini.

Como se vê, mesmo com todas as notícias ruins no reino animal, o
Brasil mantém sua liderança. Na carne bovina, continuamos os maiores
exportadores em volume, mas não em preços porque os mercados que
pagam mais, como Estados Unidos e Japão, mantêm-se fechados para nós.
Mas os exportadores não desistem: amanhã mesmo, lá estarão eles
tentando abrir mercados, num churrasco na Argélia.

Arquivo do blog