Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, junho 19, 2006

A fábula petista e o demônio totalitário - Reinaldo Azevedo

O Estado de S. Paulo
19/6/2006

"Tudo o que é bom para o PT é ruim para o Brasil." Não é a primeira
vez que escrevo sobre a frase que mais me rendeu protestos. Até
alguns "conservadores" fizeram um muxoxo: "Cheira a preconceito." E
daí? O preconceito também é uma realidade discursiva definida por
marés influentes de opinião. Não ter alguns corresponde a reforçar
outros. Vejam dom Tomás Balduíno, que trocou a Teologia pela
Escatologia da Libertação. Ele acredita que lugar de auto-intitulados
sem-terra é quebrando o Parlamento ou tungando propriedade alheia.
Opor-se a tal prática seria preconceito.

Um "progressista" tem de estar afinado com os deserdados
profissionais dos padres, das ONGs e do Chico Buarque. Os
"conservadores" preferem ficar no armário, praticando uma ideologia
que não ousa dizer seu nome. Ou vão para a fogueira. A esquerda leva
vantagem na guerra de valores. Jornalistas acham normal ter como
fonte um ladrão - sobretudo se ele roubar em nome da causa -, mas
fogem de um "reacionário" ou "direitista". Supostas maiorias teriam
mais direito a preconceitos do que um indivíduo. Com efeito, não
existiria totalitarismo sem as massas e suas rebeliões - aprendi com
Ortega y Gasset, antes ainda de começar a fazer a barba.

Sou tentado a defender o direito que todos temos de ter alguns
"preconceitos". Um sujeito cem por cento tolerante é desprovido de
moral pessoal e imprestável para uma ética coletiva. É preciso dizer
em certos casos: "Isso não!" Um homem sem preconceitos é um empirista
empedernido, uma besta, um monstro amoral.

Há um quarto de século toleramos a ladainha petista sobre "um outro
mundo possível". Até há pouco, os petistas nos vendiam um certo
"socialismo democrático", binômio antitético que a senadora Heloísa
Helena (PSOL-AL) ressuscitou em entrevista ao programa Roda Viva. A
propósito: ela afirmou lá que apenas 17% das terras agriculturáveis
do País são cultivadas. Seria mentira ainda que Marina Silva
derrubasse a floresta amazônica e secasse o pantanal para plantar
soja. Não foi contestada em sua logorréia narcotizante. Uma bobagem
choca; uma penca delas paralisa os sentidos, especialmente se vêm
embaladas naquela cascata de disparates reiterados por sinonímias
vertiginosas.

Nunca houve socialismo democrático ou marxismo cristão. Quem acata
essas bobagens ou está comprometido com a causa ou procura ser
simpático com os "progressistas". Não ambiciono a ração de boa
vontade de adversários. O socialismo matou quase 200 milhões para
criar o "novo homem", e sua primeira vítima foi a liberdade. Tentam
pôr no meu colo os mortos das ditaduras de direita. Dispenso-os.
Façam como eu: joguem todas elas no lixo. Esquerdistas, no entanto,
não reconhecem em Fidel Castro um facínora e têm num homicida
compulsivo como Che Guevara um herói, ainda a render filmes e rococós
sentimentais. Entronizam um bufão como Hugo Chávez no posto de futuro
mártir das causas populares. "Mártir"? Eu e minhas esperanças...

Que bom se a esquerda light e a social-democracia estivessem certas,
e tudo isso cheirasse à naftalina da guerra fria, sepultada sob os
escombros do Muro. Mas estão erradas, e a metáfora é óbvia demais. No
Brasil, as seduções do demônio totalitário estão ativas e plasmadas
no PT, que segue o figurino do Moderno Príncipe gramsciano. É
confortável para os covardes a suposição de que a lenda lulo-petista
se esgota no clepto-stalinismo dos 40 quadrilheiros. É uma forma de
colaboracionismo.

Essa lenda contamina as instituições e busca mudar a natureza da
democracia. Leiam isto, que segue em itálico: "O Moderno Príncipe,
desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e
morais, uma vez que seu desenvolvimento significa, de fato, que todo
ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso,
somente na medida em que tem como ponto de referência o próprio
Moderno Príncipe e serve ou para aumentar seu poder ou para opor-se a
ele. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do
imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de
uma completa laicização de toda a vida e de todas as relações de
costume."

É como Gramsci queria o "partido" que faria a transição para o
socialismo aproveitando-se das fragilidades da democracia. Leninismo
e fascismo em pacote único. Ele já havia aposentado as ilusões
armadas na Europa, mas não a tara totalitária. O PT também arquivou
as ambições socialistas - embora financie tropas de assalto à
democracia -, mas não a vocação para submeter a sociedade a um ente
de razão partidário.

Os sem-preconceito e liberais de miolo mole vêem o partido de Lula
seguindo a bula dos mercados e o supõem convertido. Será? O que antes
era "criminoso" passou agora a ser "virtuoso" na medida em que "tem
como ponto de referência o próprio Moderno Príncipe". Ele é capaz de
"subverter todo o sistema de valores intelectuais e morais". E até os
juros reais mais altos do mundo se tornam variantes de um "imperativo
categórico".

A trama criminosa é só entrecho de narrativa mais ambiciosa. Nem a
eventual derrota de Lula poria fim a essa história. Se vitorioso, o
PT tentará perpetuar-se no poder mudando as regras do jogo: o caminho
é tornar irrelevantes as eleições como meio de alternância de poder.
E pode fazê-lo fingindo obediência ao rito democrático. É de sua
natureza. Se derrotado, a "Al-Qaeda" - rede presente nos três
Poderes, sindicatos, fundos de pensão, igrejas, estatais, imprensa,
movimentos sociais e ONGs - tentará emparedar o próximo governo por
meio do confronto e da chantagem. O que fazer? Dizer não ao demônio
totalitário. Outras divergências são secundárias.

Tudo o que é ruim para o PT é bom para o Brasil.

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