Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 07, 2005

João Mellão Neto A hora da verdade de Aldo

O ESTADO DE S PAULO

 

Atlântico Norte, 1944 - após bombardear posições alemãs no continente, uma esquadrilha da Usaf (Força Aérea Americana) estava retornando ao porta-aviões quando o comandante da nave anunciou pelo rádio que, dali a cinco minutos, apagaria todas as luzes do navio. Era uma noite sem lua e os pilotos retardatários se desesperaram, pois não conseguiriam chegar a tempo. Apelaram ao almirante para que mantivesse a iluminação acesa até que o último avião pousasse. Este permaneceu irredutível. Eram exatos cinco minutos e só. Terminado o prazo, cumpriu a advertência. Quatro ou cinco aviões acabaram mergulhando nas águas frias do oceano.

A tripulação do navio, que acompanhara aqueles momentos angustiantes, se revoltou e foi protestar ao comandante. Para que tamanha intransigência? Alguns minutos de luz a mais teriam permitido o salvamento de todos!

O velho e experimentado almirante ouviu as queixas, impassível. Depois que todos falaram, ele os convidou a ouvir o ronco surdo que cercava a belonave. Era uma esquadrilha de caças alemã que viera no encalço dos aviões americanos. Foi então que falou: "Eu tive de decidir entre condenar cinco pilotos ou pôr em risco os milhares de tripulantes deste navio. Não titubeei. Talvez seja isso o que separa um comandante de seus soldados. Ao soldado cabe apenas lutar pela Pátria. Já a um comandante, não. Por mais dramático que seja, ele deve, também, ter coragem para tomar decisões..."

Essa história me foi contada por meu pai, que a ouviu de um piloto brasileiro que servia como voluntário na Usaf e presenciou o trágico episódio. Nunca mais me esqueci dela e da lição que encerra: o verdadeiro líder é aquele que não teme tomar decisões dolorosas...

Esta história me veio à mente por ocasião da eleição de Aldo Rebelo como presidente da Câmara dos Deputados. Sendo ele o candidato apoiado pelo governo, os 16 deputados passíveis de ser cassados exultaram. Acreditaram, talvez, que o novo presidente da Casa haveria de salvá-los da perda de seus mandatos...

Embora, nessa eleição, tenha torcido pela vitória de seu adversário, nada tenho contra o deputado Aldo Rebelo. Entendo que ambos os candidatos que se enfrentaram no segundo turno, por sua biografia e experiência, estavam à altura do cargo. Mas para Nonô o exercício da presidência da Câmara dos Deputados seria, sem dúvida, mais fácil. Já para Aldo Rebelo - ministro até três meses atrás e eleito pelas forças governistas - se impõe uma verdadeira escolha de Sofia. Todos os cassáveis, com exceção de um, pertencem à base do governo. O futuro deles, em grande parte, depende de decisões que são prerrogativa do presidente da Casa.

A quem Aldo será fiel? Ao governo Lula, que o elegeu e conta com seus préstimos no sentido de atenuar as punições e "abafar" o ímpeto das CPIs? Ou à opinião pública, que exige que os presentes escândalos sejam levados até as últimas conseqüências?

Meu caro Aldo - já fomos colegas no passado -, eu não gostaria de estar em sua pele. Para o Nonô - também ex-colega - seria tudo mais simples. Ele é da oposição, não tem compromissos com o governo e nada deve à base aliada. Tocaria os processos em frente, doesse a quem doesse, e não teria pruridos, inclusive, para propor o impeachment do presidente, caso a situação se agravasse. Já no seu caso é diferente. Você teria coragem de contrariar o governo que o elegeu? A quem você presta lealdade? Aos parlamentares da base aliada, que o sufragaram, ou à Nação, como um todo, que espera de você atitudes enérgicas e sem contemporizações?

Já na sua primeira entrevista à imprensa, devo-lhe dizer, acho que você se saiu muito mal. Contra todas as evidências, declarou não acreditar que o famigerado "mensalão" tivesse existido. Ora, meu presidente, então os milhões do Marcos Valério e seus numerosos beneficiários não passam de peça de ficção? Se é assim, por que deputados renunciaram, ministros caíram, a direção do PT foi trocada e diretores de estatais foram demitidos? Se não havia nada de errado, por que é que o próprio presidente Lula foi à TV declarar-se traído e pedir desculpas à Nação?

Você ainda não sabe como deve agir? Pois eu ouso dar-lhe minha modesta opinião. Um traço comum em todos os grandes homens é o senso de predestinação. Leia as grandes biografias e verá que isso é verdade. Todos acreditam ou acreditaram que uma força maior os impelia para o seu glorioso destino. Júlio César, por exemplo, acreditava que os deuses o protegiam, mas alimentava a crença, também, de que esses mesmos deuses o estavam constantemente pondo à prova, para terem a certeza de que era digno de sua missão. Pense como César. Se os deuses, ou seja lá que forças maiores, o guindaram à atual posição, tenha em conta que, eles, agora, o estão testando. Se você for pequeno, sua pequenez, eternamente, pesará contra si. Agradará aos poderosos de plantão, por um tempo, e amargará o opróbrio popular para sempre.

Aja, portanto, com a grandeza que o cargo lhe impõe. Não titubeie, não tergiverse, não contemporize. Você, onde está, não tem mais patrões. A sua lealdade você não deve mais a ninguém. O seu único juiz, doravante, é a História.

Nesta nau de guerra, quis o destino, você não é mais soldado, mas comandante. Cabe a você - e somente a você - a coragem de tomar decisões.


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