Em negociações que beiram a desfaçatez
(e restabelecem o poder de corrupção do
PTB no governo), Lula elege Aldo Rebelo
Otávio Cabral
Montagem sobre ilustração de Baptistão e fotos de R.R. Rufino/Jornal de Londrina, Elza Fiuza-Vert/ABR-01, Joedson Alves/AE, Antonio Cruz/AE, Wilson Dias/AE |
1. Tia Nastácia |
Com sua eleição para presidir a Câmara, o deputado Aldo Rebelo, esse afável comunista que fez carreira como admirador da Albânia e do Saci-Pererê, deflagrou uma temporada de festas no arraial do governo. Na noite em que arrebanhou seus 258 votos, apenas quinze de vantagem sobre o pefelista José Thomaz Nonô, Rebelo foi arrastado por seus partidários para um restaurante em Brasília e a comemoração prolongou-se até as 2 da manhã. (Em tempos de mensalão, adotou-se um cuidado: cada um pagou sua própria conta.) No Palácio do Planalto, houve celebração e um indisfarçável alívio. "Até que enfim uma alegria", festejou Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente, antes de saber que acaba de ser acusado no crime de Santo André( VEJA REORTAGEM). O presidente Lula, encantado com a vitória de seu aliado, deu um jantar festivo na Granja do Torto, com a presença de oito ministros. Também foi grande a vibração entre os dezesseis deputados ameaçados de perder o mandato por envolvimento no mensalão. José Janene, rei dos saques do valerioduto, não cabia em si. José Dirceu, em plenário, pulava e dava socos no ar.
O entusiasmo que tomou conta do arraial é merecido. Afinal, o governo não recebia, nem produzia, uma boa notícia desde fevereiro passado, quando Severino Cavalcanti, o do mensalinho, se elegeu presidente da Câmara. A vitória de Rebelo, aliado de primeira hora do PT e ex-coordenador político do governo, devolve ao Palácio do Planalto ascendência sobre a vida da Câmara, Casa que tem se mostrado incômoda para o governo nos últimos meses. Mas haverá limites para a alegria, em especial no caso dos mensaleiros. Eles exultaram com a eleição de Aldo porque, da tribuna, o então candidato resolveu dizer que teria "coragem e isenção para defender quem não tiver culpa". Era uma frase destinada a cabalar votos de mensaleiros, mesmo porque, como Saci, ela não tem uma perna: um presidente da Câmara não defende nem acusa ninguém e, se o fizer, perde a isenção. A importância da eleição de Aldo não está em salvar os mensaleiros, mas em evitar, mais adiante, que um eventual processo de impeachment de Lula seja instalado, decisão que, aí sim, depende do presidente da Câmara.
Roberto Stuckert/Ag. Globo | Ana Araujo |
O deputado Aldo Rebelo, carregado em volta olímpica após vitória sobre Thomaz Nonô (à dir.): mensaleiros vibraram muito, mas muito |
Desde a redemocratização em 1985, qualquer governo se empenha em controlar a Câmara e, nesse esforço, abre habitualmente espaço à bandalheira do fisiologismo – na forma de oferta de verbas, cargos e sabe-se lá o que mais. Na semana passada, o Planalto seguiu o modelo tradicional, mas chamou a atenção à sem-cerimônia com que o governo do PT, a legenda outrora ética, se atirou no pântano do fisiologismo. "Ganhamos e não vendi nem a minha alma nem a alma do governo", disse o ministro Jaques Wagner, coordenador político, na declaração mais desalmada da semana. O presidente Lula chegou ao ponto de autorizar que, para ganhar os votos dos deputados do baixo clero, lhes fosse oferecido até o Ministério da Educação! Para sorte da nação, o líder da turma, Ciro Nogueira, do PP do Piauí, trocou seus 76 votos do baixo clero por um preço menor – os cargos de segundo e terceiro escalão do Ministério das Cidades.
A barganha atingiu um nível tal de desfaçatez que o governo se sentiu à vontade para prometer a entrega ao PTB dos cargos perdidos no rastro das denúncias de corrupção. A negociação foi conduzida pelo ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, do PTB, que tinha carta branca do presidente Lula. No balcão, negociou-se a devolução aos petebistas de cargos de comando em estatais como Infraero (onde há suspeita de que um amigão de Roberto Jefferson, Henrique Brandão, tenha sido beneficiado com 1 milhão de reais), Furnas (onde um diretor foi acusado de repassar 300.000 reais mensais para o PTB de Roberto Jefferson) e os Correios (onde Maurício Marinho, filmado embolsando sua propina de 3.000 reais, dizia que a roubalheira era chefiada por Roberto Jefferson).
A negociação aparentemente mais tensa aconteceu com o PL, legenda que o vice-presidente José Alencar trocou na semana passada pelo PMR, partido criado por bispos da Igreja Universal do Reino de Deus. Para levar os votos da bancada do PL, o governo sentou com altas lideranças do mensalão. Negociou com Valdemar Costa Neto, que renunciou para fugir da cassação, e Sandro Mabel, que está prestes a ser cassado. Ofereceu mais 1 bilhão de reais aos cofres do Ministério dos Transportes, que já está sob o comando do partido, e fez uma ameaça aberta: se o PL não desse apoio público a Aldo Rebelo e não retirasse seu candidato à presidência da Câmara, o deputado João Caldas, o Palácio do Planalto partiria para o ataque fatal. "Se vocês não tirarem o João Caldas da disputa, o governo acaba com a bancada do PL até sexta-feira. Vocês vão ficar no máximo com dez deputados", ameaçou o deputado Eduardo Campos, do PSB de Pernambuco e ex-ministro de Ciência e Tecnologia. A bancada do PL tem, hoje, quarenta deputados, o que significa que, em questão de dias, o governo acha que teria força para desfiliar trinta. Com que argumentos ideológicos?
Evan Vucci/AP |
DeLay: processo na Justiça comum |
"O governo vendeu a mãe, o pai e a mulher no primeiro turno", descreveu um dos coordenadores da campanha de Rebelo, num surto de franqueza. "No segundo turno, ofereceu a irmã mais nova." Tanto empenho se deve ao fato de que a eleição de Rebelo é parte de um plano mais ambicioso do Planalto: o de enterrar o escândalo que lhe corrói as vísceras há quase cinco meses. Consumada a vitória de Rebelo na Câmara, o governo torce para que haja um festival de renúncias. O próprio presidente Lula tem tratado pessoalmente do assunto com os ameaçados do PT, tentando convencê-los a desistir do mandato, o que encerraria a crise mais rapidamente do que se eles inventarem, todos, de enfrentar os processos até o fim. Há petistas que já foram convencidos disso, como Professor Luizinho, José Mentor, Paulo Rocha e Josias Gomes. Mas outros, como João Paulo Cunha e João Magno, ainda resistem a abrir mão dos mandatos. A outra estratégia do governo é jogar todo o seu peso, em votos e verbas, para evitar que as CPIs sejam prorrogadas.