Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, outubro 14, 2005

A gestão "burra" do caixa LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FSP

Um erro do passado -falta de equilíbrio nas contas públicas- não pode justificar o que chamo de "a gestão burra do caixa" do governo Lula. Na busca de um equilíbrio fiscal necessário, o governo não pode perder a razão. É um desafio que deve ser vencido com inteligência, e não com truculência e espírito de contador. Antes que receba uma reclamação dos contadores, explico que não estou menosprezando a atividade desses profissionais. Estou dizendo apenas que a gestão do caixa de um país é algo mais complexo do que simplesmente atingir uma determinada meta contábil.
Essas minhas palavras estão ligadas ao aparecimento de um foco de febre aftosa em Mato Grosso do Sul. Esse acontecimento pode ser enquadrado no que se costuma chamar de "a crônica de uma morte anunciada". Essa expressão, emprestada de um delicioso livro de Gabriel García Márquez, é utilizada em situações dramáticas, mas que seriam totalmente previsíveis. Quem conhece o mercado de carne bovina no Brasil sabe que a fiscalização constante das propriedades, principalmente das pequenas, é a forma mais eficiente para obrigar os criadores a gastar dinheiro com a vacinação preventiva contra a aftosa.
O Ministério da Agricultura tem um sistema já testado para realizar essa missão. Mas sua execução depende de um corpo permanente de fiscais nas regiões produtoras e de uma verba orçamentária da ordem de R$ 200 milhões anuais. A Folha trouxe recentemente uma reportagem em que mostrava os números dos gastos com a fiscalização sanitária realizada pelo Ministério da Agricultura. Foram R$ 130 milhões em 1997, R$ 89 milhões em 2003 e R$ 68 milhões em 2004. Se considerarmos esses gastos em função da produção brasileira de carne bovina, o desempenho do governo Lula é vergonhoso. Em 1997, foi gasto pelo governo R$ 1,64 por tonelada; na safra 2003/ 2004, caiu para R$ 0,52 por tonelada.
Os gastos realizados no ano fiscal de 2005, período em que o Brasil atingiu a situação de maior exportador do mundo de carne bovina, é um verdadeiro escárnio à racionalidade econômica. O desembolso efetivo foi de apenas R$ 553 mil. Mas, como dizia meu pai, "aqui se faz, aqui se paga". A descoberta de um foco de febre aftosa e a reação imediata de nossos clientes pelo mundo afora vão jogar por terra todo o esforço empreendido em anos e anos. Os prejuízos serão imensos, e a recuperação da antiga posição de liderança vai demandar muito tempo e trabalho.
A quem culpar por essa situação incrível de agressão à racionalidade de uma política fiscal competente? Diretamente aos gestores do Orçamento nos ministérios da Fazenda e do Planejamento. É esse grupo de burocratas e economistas que dá as cartas sobre os gastos do Orçamento, com total cobertura do dr. Palocci. O sucesso da economia, nestes últimos anos, tornou esse grupo um foco de poder ditatorial em Brasília, com apoio de nosso presidente da República. A racionalidade econômica das decisões passou a ser integralmente subordinada à mentalidade contábil desses burocratas da macroeconomia. Os bons resultados recentes levaram esse estado de coisas a uma situação extrema em várias áreas da economia, mascarando decisões absurdas e criando riscos enormes para nosso futuro.
No momento em que escrevo esta coluna, nosso presidente operário disse em Lisboa que a culpa dessa crise no setor de carnes bovinas é do dono das fazendas, e não do governo. Essa posição alienada de Lula tem que ser repelida com energia por aqueles que não aceitam mais esse estado de coisas. Nosso presidente sempre encontra fora de seu governo os responsáveis por tudo de errado que ocorre no Brasil. Agora, o proprietário dessa pequena fazenda de gado seria uma espécie de Delúbio Soares da agropecuária.
Segundo as palavras presidenciais, "quando alguém age com irresponsabilidade, quem não tem nada com isso paga o preço". Concordo integralmente com suas declarações. Entretanto, aponto quem agiu com irresponsabilidade: o seu próprio governo.

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