O ciclo militar agonizava pacificamente, confirmando a História, que distingue o totalitarismo do autoritarismo. Daquele só se sai dramaticamente, vencido por forças extrínsecas - como se deu com o nazismo - ou por vetores intrínsecos, que levaram ao colapso do socialismo real. Em suas memórias, Gorbachev escreve sobre a URSS, que presidiu: "Um país empenhado no curso esgotante de armamentos, o nível de vida constantemente reduzido, os mecanismos econômicos funcionando cada vez pior, cientificamente capaz de mandar com precisão uma sonda a Vênus, ao mesmo tempo que não era capaz de levar água ao terceiro andar de um edifício."
Lula fundou e dirigiu o PT segundo o princípio do "centralismo democrático", inventado por Lenin, segundo o qual a cúpula decide e as bases obedecem incondicionalmente. Expulsou petistas que votaram em Tancredo no Colégio Eleitoral, escarmentando os rebeldes. O mesmo fez com os quatro que se recusaram a votar a contribuição de 11% dos aposentados, fazendo da Constituição um trapo ao violar direitos assegurados. Diante da enxurrada de corrupção do PT, sem igual na História da República, petistas houve que se revoltaram e ignoraram o "centralismo democrático". Pretenderam, supostamente apoiados pelo presidente Lula, refundar o PT, dele expurgando os que enxovalharam o galardão da pretensa ética. Logo esbarraram em José Dirceu, cuja liderança se mostrou indiscutível no Campo Majoritário, esse mesmo que elegera um tesoureiro e um secretário-geral que sujaram definitivamente a reputação do PT. Tudo indica que devido a instruções de Dirceu, visando a fortalecer o partido e mantê-lo por décadas no poder. Carlos Prestes, nos idos de 1963, homenageado pelo governador Miguel Arraes, disse: "Nós, comunistas, estamos no governo, mas não ainda no poder." Frase repetida por Frei Beto quanto ao poder, antes de deixar o governo Lula, decepcionado.
A sede de conquistar o poder foi, porém, insaciável. Assaltaram o Estado. Dirceu manteve sua candidatura e levou Tarso Genro a não disputar as eleições. O Campo Majoritário manteve a dianteira no primeiro turno, apelando para fraudes. Sua conduta lembrou o velho PSD da era Benedito Valadares: "Em eleição só é vergonhoso perder." Praticou-se o "vale-tudo". Um dos fundadores do PT, o cristão Plínio de Arruda Sampaio, em artigo para a Folha de S.Paulo escreveu: "O resultado (da eleição do primeiro turno) foi desanimador em vários Estados. Houve transporte em massa de eleitores e quitação de contribuições atrasadas, requisito indispensável para votar, pelos cabos eleitorais do candidato da situação e de dois candidatos que se proclamavam de oposição. O peso de eleitores de cabresto, no melhor estilo da política de clientela, que votaram sem saber em quem, foi decisivo para o resultado das eleições." E concluiu, desolado: "No PT, a minoria está reduzida à inglória tarefa de legitimar as decisões da cúpula." Ou seja, volta-se ao "centralismo democrático".
A mesma política de clientela prosperou na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. A manchete de primeira página do Estado a retrata: Governo abre o cofre e elege Aldo com 15 votos. O cofre - diga-se - sangrou em bilhões de reais e até o Ministério da Educação foi oferecido ao putrefato PP. Por coincidência ilustrativa, 15 são os indiciados nas CPIs para cassação dos seus mandatos, Dirceu entre eles. O novo presidente da Câmara é tido como respeitável, mas não tanto como imparcial. Testemunha de defesa de Dirceu, que exultou com a eleição, tanto quanto o indiciado deputado Janene. Homem grato e de atitudes firmes, Aldo Rebelo não abandonará Dirceu e, mais importante, barrará qualquer tentativa de impeachment de Lula e ressuscitará a possibilidade da reeleição.
Por outro lado, o resultado do segundo turno trará uma incerteza para o governo. Os desafiantes, se vencerem (o que é impensável), exigirão a mudança da política econômica, apelidada de neoliberal. O candidato oficial, Berzoini, tem-se declarado contrário à política do ministro Palocci, de quem o secretário do Tesouro norte-americano disse ser "a voz da razão da economia global". Tanto pode servir para epitáfio como para legenda de consagração. O futuro depende de Lula, que já repetiu ser imutável a economia enquanto for governante. Mas ele já disse tantas coisas e fez o contrário que o futuro da economia pode ser incerto.