O presidente Hugo Chávez deixou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o chanceler Celso Amorim à beira de um ataque de nervos, ao recusar-se a assinar os documentos que resultaram da reunião de cúpula da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa). Não porque fizesse questão que essa nova tentativa de integração continental se chamasse União de Repúblicas da América do Sul (Unasul), como vinha insistindo. Mas porque considera ineficaz o método escolhido para institucionalizar a Comunidade Sul-Americana, que tem por base as instituições do Mercosul e da Comunidade Andina de Nações (CAN). "Eu não posso, me perdoe Lula, aprovar essa institucionalidade da união sul-americana. Estamos começando muito mal, repetindo esquemas fracassados", afirmou Chávez. O presidente venezuelano só voltou atrás depois de receber dramáticos apelos dos presidentes Lula e Alejandro Toledo, do Peru, e do chanceler Celso Amorim. Recuou porque entendeu que a diplomacia brasileira - que vem colecionando fracassos seguidos nos últimos tempos - não podia sofrer mais um revés. Seria, de fato, intolerável para a imagem do Itamaraty se terminasse em fracasso total o encontro dos presidentes da América do Sul, convocado para celebrar uma das iniciativas diplomáticas do governo Lula. Já bastava o desinteresse demonstrado pelos presidentes da Colômbia, Guiana, Suriname e Uruguai, que não compareceram, e o menoscaso manifestado pelos presidentes da Argentina e do Paraguai, que deixaram Brasília, um, antes mesmo de iniciados os trabalhos, e o outro, com a reunião a meio. Para demover Chávez, o chanceler Celso Amorim saiu-se com um argumento que, na verdade, comprova a fragilidade desta tentativa de integração regional: "Essa é uma declaração (o documento final que seria assinado pelos presidentes) quase provisória. Não damos esse nome para não tirar sua força, mas, na realidade, é isso." O presidente Hugo Chávez finalmente concordou em assinar o documento, mas, obviamente, não se convenceu do acerto das meias medidas adotadas em Brasília. E pontificou: "Se não definirmos a estrutura (da Casa) logo, podemos estar matando a criança antes de ela nascer." De fato, os documentos firmados na solenidade constitutiva da Comunidade Sul-Americana de Nações não passam de um amontoado de boas intenções. A proposta chilena, de criar uma zona de livre comércio que entraria em funcionamento até 2010 - a única que poderia dar um sentido prático à iniciativa -, foi recusada. Daí a ironia de Chávez, ao dizer que, pelo andar da carruagem, lá por 2200 haveria a tal zona de livre comércio. Como ficou acertado, a Comunidade Sul-Americana de Nações está apoiada em duas estruturas falidas - o Mercosul e a CAN -, às quais se acrescentarão o Chile, o Suriname e a Guiana, que não são membros efetivos dos dois blocos. O órgão de integração dos países andinos, ao qual o Chile já pertenceu, foi criado em 1969 e reestruturado em 1996, mas nunca conseguiu atingir satisfatoriamente os objetivos declarados de constituir uma união aduaneira em uma região politicamente coordenada. Falta-lhe a solidez institucional que só pode ser proporcionada pela sólida comunhão de objetivos por parte dos países membros. O Mercosul, por sua vez, padece do mesmo problema. Além disso, uma verdadeira barafunda institucional caracteriza o bloco. Recente estudo feito pela Secretaria Administrativa Parlamentar Permanente do Mercosul mostra que a imensa maioria das decisões adotadas pelos órgãos de direção do bloco - inclusive e principalmente aquelas resultantes de reuniões de cúpula - não têm aplicação efetiva. Os números são impressionantes. Dos 74 acordos assinados pelos presidentes dos quatro países no âmbito do Mercosul, só 16 se tornaram leis, ou seja, foram aprovados pelos respectivos Parlamentos e têm vigência obrigatória. Nos Parlamentos estão engavetados 36 acordos e o restante nem mesmo foi encaminhado pelos governos à apreciação dos respectivos Congressos. Mas pior que isso para o futuro do Mercosul é a evidente má vontade da Argentina, Uruguai e Paraguai em relação ao sócio maior, demonstrada mais uma vez agora na Cúpula de Brasília, até com estudada falta de educação.
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terça-feira, outubro 04, 2005
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