Pode reparar: quando alguém é pego em flagrante delito, principalmente quando se trata de práticas condenáveis, mas usuais, um recurso comum da defesa é apelar ao repúdio à hipocrisia. 'Sejamos francos', é a frase carro-chefe à qual se segue o lema do 'todo mundo faz'. O tesoureiro de Fernando Collor, Paulo César Farias, há 13 anos inaugurou o argumento em comissões parlamentares de inquérito e Roberto Jefferson consagrou seu uso meses atrás, ao apontar os deputados e senadores da CPI dos Correios, conclamando os colegas a deixar de lado a hipocrisia porque ali não havia, no tocante à ilegalidade do dinheiro 'por fora', ninguém melhor do que ele. Aos dois agora junta-se o novo presidente do PT, Ricardo Berzoini, ponderando o mesmo: 'Não devemos ser hipócritas, caixa 2 é algo muito comum na política brasileira.' Não que Berzoini defenda o uso de dinheiro ilegal, é contra, mas também não acha, como diz o ministro da Justiça, que seja 'coisa de bandido'. Na avaliação dele, a prática é nefasta, mas faz parte de 'nosso folclore político' e não deve servir para condenações de carreiras. O ponto central da argumentação, na realidade, é a defesa de uma lei mais rigorosa e a instituição do financiamento público de campanhas para acabar com isso. Sem a nova legislação Berzoini diz que não tem como os partidos, nem o PT, deixarem de recorrer ao caixa 2. Ou seja, como a lei não foi mudada e não há tempo para tal, o presidente do PT também não exibe disposição para liderar um movimento no sentido de alterar condutas. Simplesmente rende-se às (más) evidências. Provavelmente os militantes petistas aflitos com a crise moral que assola o partido prefeririam que o novo presidente iniciasse a 'refundação' propondo exatamente a retomada daquela diferenciação de procedimentos que pautou a trajetória do PT. Ele existiu, cresceu e foi fiel depositário da esperança de milhões porque se propunha a não repetir velhos e condenados hábitos consolidados em outras legendas. Sejamos sinceros, se é para reivindicar isonomia no malfeito, o voto no PT, podem pensar seus eleitores, perdeu em muito a razão de ser. Berzoini não está, como talvez considere, sendo realista quando afirma que sem a mudança da lei o abuso vai continuar. Está sobretudo corroborando a infração à legislação existente, que obriga as doações a serem integralmente declaradas à Justiça Eleitoral, e, com isso, subtraindo de seu partido o benefício da dúvida junto ao eleitorado. Do folclore político brasileiro, o mandonismo, o filhotismo, o populismo, o fisiologismo também fazem parte, mas só os pratica quem quer ou quem não tem recursos mais elaborados para fazer política. Não há legislação que dê jeito. Da mesma forma o caixa 2. Sendo ilegal, sua prática ocorre por adesão. Os crimes contra a ordem econômica funcionam assim. Se o PT quer fazer em 2006 uma campanha limpa, não está impedido pela legislação atual. Se os outros partidos não quiseram fazer, mesmo depois de toda a crise e da firmeza do repúdio popular aos costumes deformados, isso não concerne ao PT. Sempre sobra ao partido a opção de recuperar o antigo ímpeto e denunciar a concorrência ilegal. O emblema do repúdio à hipocrisia é só uma forma de justificar o injustificável Dupla jornada Por motivos opostos, governo e oposição consideram a cada vez mais forte possibilidade de o PMDB ter candidato a presidente da República um bom negócio para seus respectivos projetos eleitorais. Ótimo mesmo para ambos os lados seria a adesão integral dos pemedebistas a um ou a outro. Como está difícil, PT e PSDB se conformam em olhar o aspecto positivo da questão. Para os petistas, a candidatura do PMDB é boa porque vai roubar votos dos tucanos. Estes dizem o mesmo com sinal trocado: o pemedebista tirará votos do governo, ainda mais se o escolhido for alguém com perfil mais populista. Talvez fosse prudente ambos os partidos não tratarem o PMDB só como um contrapeso porque, se a candidatura crescer, no lugar de ajudar os que se julgam desde já os finalistas do certame, pode é contribuir para tirar um dos dois poderosos - e açodados - do segundo turno. Da onça Como nos negócios, no mundo da política as amizades são um caso à parte. No PT, há torcida para a cassação rápida de José Dirceu na esperança de que isso acalme a opinião pública e sirva como uma espécie de compensação antecipada à absolvição de outros processados. No PSDB a conta é outra: se Roberto Brant, do PFL, for cassado, os tucanos podem ostentar na campanha o argumento de que foram os únicos entre os grandes a ficar de fora da lista de cassações, na qual o PMDB está representado por José Borba. Portanto, não vêem com maus olhos a punição dos colegas. É uma maneira de pensar. Mas, no calor da campanha, terá pouco resultado, já que o senador Eduardo Azeredo não entrou no relatório da CPI, mas estará presente nos palanques adversários, pois seu caso é de uso de caixa 2, igual ao de outros que não contaram com a mesma boa vontade por parte dos integrantes da CPI.
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Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, outubro 14, 2005
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