Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, outubro 04, 2005

Chávez na parede e Saci no calendário AUGUSTO NUNES



JB



Horas depois de eleito presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo resolveu transformar em gesto político um retoque na decoração do gabinete novo. Deixou de lado a habitual discrição, convocou a imprensa e arriou da parede a foto que mostra, juntos, o papa João Paulo II e seu antecessor (de Rebelo), deputado Severino Cavalcanti.

Antes que alguém confundisse a demonstração de respeito à Igreja com uma surpreendente conversão ao catolicismo, Rebelo mostrou que continua fiel ao Partido Comunista do Brasil - e a serviço da revolução. Pendurou na parede um retrato de Simon Bolivar.

O que tem a ver com a geléia geral brasileira o mítico general que, no começo do século 19, ajudou a libertar do domínio espanhol nações vizinhas? Aparentemente, nada. Para quem sabe ler retratos, tudo a ver. Rebelo sabe que o coronel Hugo Chávez, presidente da Venezuela, é um declarado adorador de Bolivar - tanto que mudou a Constituição para fazer da Venezuela uma "República Bolivariana".

Quem enfeita o gabinete, portanto, não é "El Libertador", nascido em Caracas em 1783. É o palavroso e amalucado Chávez, que se julga uma reencarnação de Simon Bolivar. O olimpo do PCdoB, avisa o gesto de Rebelo, acaba de incorporar uma nova divindade.

Esse santuário comprova que venerar canastrões é um dos defeitos de fabricação da seita a que Rebelo pertence. Na adolescência, o alagoano de Viçosa rezou no altar de Mao Tsé-tung, o líder da revolução chinesa que estenderia seu reinado até a morte. O ídolo submetia a China a projetos tão grandiosos quanto absurdos, Rebelo aplaudia. O poeta medíocre assassinava versos, Rebelo se emocionava mesmo com os especialmente cretinos. O Mestre ordenava matanças colossais, o pupilo dizia que eram histórias inventadas pela imprensa burguesa.

Órfão do Grande Timoneiro, o PCdoB adotou como guia o ditador da Albânia, Enver Hohxa. Também por falta de opções - esse grotão da Europa foi o último reduto comunista do continente -, um Aldo Rebelo já adulto rendeu-se ao culto da figura tão estranha quanto o nome.

Hohxa decidiu fechar as fronteiras da Albânia ao resto do mundo, para impedir que a decadência capitalista infeccionasse o bucólico país. Rebelo gostou da idéia. Até as cabras que proliferam nas montanhas albanesas ruminaram a suspeita de que o chefe endoidara. Hohxa caiu, o culto acabou, abriu-se a vaga agora ocupada pelo santo venezuelano.

A substituição de João Paulo II e Severino por Bolivar (e seu bisneto honorário) foi a terceira grande idéia do deputado. A primeira gerou um projeto de lei que proíbe a contaminação da última flor do Lácio por expressões em inglês. Algumas poderiam ser aportuguesadas. As demais, sumariamente banidas.

Por que shopping center em vez de centro de compras?, exemplifica Rebelo. O imperialismo americano está corrompendo até a língua portuguesa, argumenta. (Mas só nas conversas off the record). A segunda grande idéia tem parentesco com a outra. Rebelo quer oficializar o Dia do Saci. No fim de outubro, crianças brasileiras começaram a fantasiar-se de bruxas ou fantasmas, como a garotada americana no Halloween. Ou "ralouin", corrige o texto do projeto redigido pelo atual presidente da Câmara.

O programa do PCdoB abriga idéias bem mais radicais para alcançar o objetivo glorioso: a implantação do comunismo no Brasil. O plano estratégico se desdobra em três etapas. Ainda estamos na fase inicial, reservada à "transição preliminar do capitalismo para o socialismo". Os burgueses não precisam perder o sono. O desfecho da revolução terá de esperar algum tempo. No momento, a guerra só envolve bruxinhas americanas e nosso bravo Saci-Pererê.

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