Nenhum paradoxo. Ao ministro retraído, disciplinado, pouco falante, faltava ânimo beligerante até para disputar espaços que o vizinho José Dirceu vivia confiscando. Sem força no mundo dos chefões, partia para as missões desprovido de um trunfo essencial: o poder de infundir em aliados e inimigos, na hora exata, o sentimento do medo.
Ministro, Rebelo foi um colecionador de fracassos. Devolvido ao Legislativo, o alagoano que se elegeu deputado pelo PCdoB de São Paulo retomou o cotidiano pouco luminoso. Colheu-se à sombra. Nunca teve devotos. Tinha amigos. E nenhum inimigo.
Sem candidatos aceitáveis num PT devastado pela sucessão de descobertas escandalosas, o governo enxergou em Aldo o homem que procurava. Como fracassara no posto de articulador do Planalto, Lula resolveu assumir o comando. Entrou em campo a uma semana da eleição.
O presidente agiu com o audacioso desembaraço de um operador do mensalão. Num país atormentado por barganhas afrontosas, aflito com a ganância dos corruptos de terno, despiu-se de pudores para mostrar, já nos primeiros minutos, que estava pronto para qualquer negócio.
Qualquer negócio, a qualquer preço, com qualquer parceiro. Tinha verbas a liberar, empregos a distribuir, favores a oferecer, cargos a retomar. Tudo o que faltava à oposição. Lula abriu a temporada de compra e venda no encontro mantido com Severino Cavalcanti no Palácio do Planalto.
Prestes a renunciar à presidência da Câmara, Severino entrou no gabinete de Lula com o jeito assustadiço dos presos em flagrante. Saiu com o sorriso dos redimidos. Conseguira as verbas solicitadas, nenhum afilhado perderia o emprego. O segundo andor da procissão levou ao palácio Valdemar Costa Neto, presidente do PFL, que deixou a Câmara para evitar a cassação.
Terminada a conversa, sorria como Severino sorrira, como sorririam outros negociantes no dia da eleição. Enquanto lutava com telefonemas, o comandante determinou que um pelotão de ministros marchasse sobre o Congresso. Não se sabe quanto custou, por exemplo, o apoio do petebista Luiz Antônio Fleury, promovido a Marechal do Carandiru depois do histórico massacre que resultou na morte de 111 prisioneiros desarmados. Sabe-se que as verbas liberadas ou prometidas passam de R$ 1,5 bilhão.
Parece muito para um país tão pobre. Mas nenhum governo vende a alma por tão pouco.
No começo de agosto, dias depois de assumir a chefia da Casa Civil, a ministra Dilma Rousseff anunciou com pompas e fitas um ''choque de gestão'': dos 21.197 cargos de confiança pendurados no mamute federal - todos preenchidos por companheiros liberados de concursos -, 70% seriam entregues a funcionários de carreira. Como nada aconteceu, o Cabôco pergunta: a coisa é para já ou para o próximo governo?
Promessa de Lula é paga com ágio
Há oito meses, o presidente da República prometeu aos invasores de uma fazenda na Bahia que até setembro tudo estaria resolvido. Felizes, as 540 famílias batizaram de "Lulão" o acampamento fincado nas terras da Veracel.
Na semana passada, quando Lula visitou novamente o lugar, o acampamento estava desativado. Os antigos moradores já haviam sido alojados nos 6.600 hectares desapropriados na região de Santa Cruz de Cabrália.
Nenhum fazendeiro se queixou do negócio fechado com o Incra. Diante da ansiedade dos compradores, os donos da terra fixaram preços salgados. O Incra pagou R$ 5 milhões a mais. Mas provou que Lula é homem de palavra.
Ex-capitão ganha a taça
Em novo depoimento à Comissão de Ética da Câmara, o deputado José Dirceu conquistou a taça com uma frase que, usada para defender-se, virou instrumento da acusação:
''Estou cada vez mais convencido da minha inocência''.
Conclusão: no começo das investigações, até José Dirceu não tinha certeza de que José Dirceu é inocente.
Pelotão de desertores
Antes tão combativa, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) virou especialista em comandar retiradas. Chefe da tropa governista na CPI dos Correios, fugiu da sala na quinta-feira, escoltada pelos soldados rasos Nelson Meurer (PP-PR), Maurício Rands (PT-PE) e Carlos Abicalil (PT-MT). Por falta de quórum, a CPI não pôde quebrar o sigilo bancário de corretoras envolvidas em casos de corrupção. Ao trocar o berreiro insensato pela deserção silenciosa, vai ganhando pontos no Planalto. E perdendo milhares de eleitores.
Adeus ao gênio
Raríssimos comediantes fizeram milhões de brasileiros gargalhar tão gostosamente como Ronald Golias. Só na semana passada o artista entristeceu o país, pela primeira e última vez. Um beijo, grande Golias. Com uma lágrima.
A ira da rainha das matas
A gerente-executiva do Ibama no Estado de São Paulo, Analice de Novais Pereira, não gostou do que leu na coluna publicada em 18 de setembro. E enviou a carta aqui reproduzida. Sem correções:
"Muitas das afirmações feitas pelo jornalista são descabidas, falaciosas e inconseqüentes. Mais que indignação, causam-me tristeza, uma vez que Augusto Nunes parece desprezar sua biografia e, ao invés de apurar fatos, reproduz ilações sem qualquer fundamento com a realidade. Respeito opiniões distintas, pois são parte indissociável do bom jogo democrático. Mas não posso compactuar com mentiras, ainda que insinuadas, pois ocupo cargo público não por veleidade ou ambição, mas para cumprir missão a mim atribuída pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Tenho seguido à risca os princípios da transparência, da seriedade e do respeito à coisa pública e ao meio ambiente. Atraí quadros como a chefe da Divisão de Fauna e Recursos Pesqueiros, Cristiane Leonel, profissional de grande experiência na área ambiental e que imprimiu uma nova e exitosa conduta de saneamento dos criadouros de animais silvestres. Não hesitei em afastar alguns quadros por mim indicados, quando constatei possíveis irregularidades. Nesta gestão há transparência. E muito diferentemente da calúnia aventada por V. Sª, de que estaríamos 'presenteando ricaços com aves raras', aqui não há comércio, favorecimento ou aproveitamento feitos com o bem público. Sinto-me muito à vontade para convidar jornalistas a visitarem esta gerência e conhecerem um pouco do trabalho do Ibama/SP. No seu caso específico, será muito proveitoso, uma vez que terá a chance de aprender a diferenciar uma informação de interesse público de uma simples fofoca. Algo de que o senhor parece ter se esquecido."
A coluna também recebeu de Cristiane Leonel um currículo que relaciona experiências e cursos ligados à área administrada pelo Ibama. Faltou só um item, tão vistoso que lhe garantiu o emprego: é cunhada do ministro sem pasta Luiz Gushiken. A resposta a Analice, irmã e apadrinhada de Silvinho "Land Rover" Pereira, virá no domingo. Saberemos o que faz além de assassinar o idioma.
STF socorre outro bandido
A primeira ofensiva chefiada pelo coronel Mário Pantoja ocorreu em abril de 1996. Seria a última: no comando de uma tropa da PM do Pará, enfrentou em Eldorado dos Carajás um grupo formado por dezenas de sem-terra. Morreram 19 brasileiros, todos civis. Bacharéis chicaneiros conseguiram evitar até janeiro passado o julgamento dos responsáveis pelo ''Massacre de Carajás''. Condenado a 228 anos de cadeia, Pantoja ficou preso nove meses no quartel.
Foi devolvido ao lar em 24 de setembro, graças ao habeas-corpus concedido por César Peluso, ministro do Supremo Tribunal Federal e diretor da seccional paraense da ''Pastoral do Jobim''. (É a mão mais compassiva da Justiça mundial: só se move para ajudar criminosos da primeira divisão.) Para Peluso, o condenado merece aguardar em casa o exame do último recurso. O coronel acha injusto seguir preso num quartel mais 227 anos e três meses.
Omissão criminosa
Entre janeiro e julho, o Ministério da Saúde enviou ao governo do Rio um total de R$ 4.863.600 para a compra de Interferon Peguilado. O remédio é indispensável ao tratamento dos pacientes de hepatite C cadastrados na Secretaria da Saúde. Como nada recebe há seis meses, o fornecedor suspendeu as entregas.
O pequeno estoque espalhado por hospitais se esgotará em poucos dias. O secretário da Saúde parece contaminado pelo vírus da mudez. O governo estadual não conta para onde desviou o dinheiro.