Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, outubro 13, 2005

Arnaldo Jabor Eleição de Lula pode virar pesadelo



 O Globo (11/10/05)

As sobrancelhas do Lula estão diferentes. Vocês repararam? Estão arqueadas, em acento circunflexo, como sobrancelhas de diabo de circo, feitas de rolha queimada. Seus olhos reviravam para o alto, em alvo, em discursos populistas; agora, as sobrancelhas se fixaram num arco feroz, como um bicho se defendendo. Seu rosto está vermelho e inchado de rancor e determinação (álcool?) e sua catadura só se desarma em sorrisos de marketing, ostentando uma falsa descontração. Lula topará tudo para ser reeleito. Sua garra é mais do que politica; é a salvação de sua imagem que pode acabar num derrota anunciada. Para vencer, ele usará todo seu carisma de messias do povo, de operário em construção.

Lula não tem mais vergonha de mentir. Semana passada, ele reuniu os petistas "cassáveis" no Planalto para fingir normalidade, e vimos que suas energias estão convocadas para nos fazer esquecer o centro da crise. A tática é assim: confessar uma meia verdade para esconder uma grande Mentira. Lula fingiu uma esperta "autocrítica": "Nós erramos por não termos dito desde o começo claramente: olha, os companheiros pegaram dinheiro não contabilizado e não declararam. Era muito mais fácil de explicar para a sociedade". Além do ato falho ("muito mais fácil"), vejam a malandragem: confessa-se um pequeno "erro" (delito) para esconder os 3 bilhões que foram desviados das estatais, de fundos de pensão, de arreglos com empresas como Interbrasil, Skymaster, Garanhuns, agências de publicidade, tudo sob a batuta de Dirceu, de onde saíram os bilhões depositados no exterior, para serem lavados através de "empréstimos" fajutos como os do Valério.

Não tenho medo da pizza que virá. Virá. Todo o governo está dedicado a isso, junto com seus sórdidos aliados. Renunciarão vários, as cassações serão remotas, com adiamentos provocados por jogadas como a de João Caldas do PL, que pedirá vistas do processo e dará mais duas semanas para salvar petistas e outros.

O que preocupa não é a pizza; é a encrenca sem fim que virá depois. O que preocupa é a desconstrução da democracia e da república, que virá se Lula for reeleito. A pizza é bobagem, coisa menor. O trágico é a volta do labirinto do Atraso histórico, que será o grande aliado de Lula para se reeleger. Vejam como está funcionando o jogo de bloqueios e delongas do governo. Vejam o sorriso dos "cassáveis" que redescobrem com alegria que o sistema escroto é mais forte que qualquer tentativa de mudança. "Bendita paralisia brasileira" — eles pensam, aliviados. Na imprensa, já sentimos essa impotência: a resistência dos canalhas é maior que qualquer verdade publicada.

O velho Brasil está voltando a seu formato original, renascendo como rabo de lagarto.

É um movimento estrutural além dos homens e dos discursos; é inconsciente, automático, quase físico.

Lula tem muitas chances de continuar. E será um pesadelo. Não só por ele — um símbolo despreparado para qualquer administração. O mais grave é o que ele fará em 2006 para ser eleito e o que virá depois.

O ANO QUE VEM

Em 2006, Lula vai encostar Palocci na parede e o obrigará a soltar a grana para financiar projetos eleitoreiros. Vai obrigar a queda de juros para agradar a troianos industriais e a gregos socialistas das esquerdas.

Em 2006, ele usará os bons resultados da economia para fingir que governou, quando teve apenas sorte com a economia mundial e sorte por ter recebido a "herança bendita" de FHC. Em 2006, Lula vai ostentar a pizza conseguida, para afirmar que "nenhum governo foi tão investigado em vão, com três CPIs etc...".

E, no ano que vem, veremos o desligamento progressivo de Lula do PT. Ele tende a virar um símbolo auto-suficiente. Lula será o partido de si mesmo e venderá seu carisma a quem quiser se aliar. Poderá usar o PT também, mas outros vão se aliar a ele, e não mais ao PT. Desde os oportunistas do PMDB até os evangélicos do novo partido do executivo-ateu da indústria da fé, o Edir Macedo, e daquela anta do Mangabeira vão se empurrar para ocupar lugar no coração de Lula.

Na oposição, ainda não há ninguém com seu carisma e sua máquina. A oposição errou, porque o Lula "sangrando" é mais desejado pelas filas de oportunistas que querem fazer transfusão nele. Há muitos políticos querendo ser vice, de Renan a Jobim. Lula será um símbolo de aluguel. Só um grave escândalo pessoal, legível para as massas ignorantes, poderia detê-lo.

Lula terá apoio de uma esquerda que busca entrar em qualquer barco populista, gente do tipo que apoiou Quércia, do MR-8 aos intelectuais "orgânicos", que acham Quércia uma espécie de "prótese" entre Ademar de Barros e JK. Assim, será montada a frente única da estupidez popular, do oportunismo partidário e de acadêmicos incorrigíveis.

DEPOIS DO DESASTRE

Uma vez eleito, seu segundo governo será um desastre, pois a economia, herdada de FH e protegida por Palocci, terá sido destroçada pela luta da reeleição, pelos projetos desenvolvimentistas-porras-loucas do Estado e pela sanha dos aliados fisiológicos.

A desgraça de seu segundo governo fará a população mais descrente da democracia, essa idéia sutil, difícil de entender. Ninguém entendeu que colocar o país num mundo democrático foi essencial nos oitos anos de FH e, como o socialismo é impossível no Brasil, ele se degrada e se prostitui como "populismo". O segundo governo de Lula será de arroubos chavistas. Confrontado com a democracia liberal desmoralizada, ele tentará deixar seu nome como um bolivariano ou talvez tiradentista , na história de nossa estupidez.

E com o fracasso do segundo mandato, o povo vai preferir o pior. Nunca a decepção leva à busca de algo mais fino. Os erros de um governo popular criam desejos de "populismo", mais fácil de entender. Sem contar a tradição do autoritarismo salvacionista que levamos na alma. As feições de nossa vida política, na verdade, não prezam a democracia: ela será expulsa aos poucos, e o Sistema escroto ressuscitará.

E esse desastre populista e inflacionário traçará os rumos do regime de direita também populista que virá depois, a volta de todos os nossos vícios históricos. Lula poderá ser um "pré-garotinho".

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