o globo
Acada dia que passa, a cada depoimento ou revelação, a sensação é de que a crise política está caminhando para um desfecho que não se deseja — por se temer o que possa vir depois — mas que parece inevitável: a descoberta de que o envolvimento do presidente com os acontecimentos é maior do que se admite. Ninguém gostaria de ver Lula comprometido diretamente com os escândalos, nem mesmo a oposição, não por solidariedade, evidentemente, mas porque prefere mantê-lo no governo fraco e desmoralizado, até 2006.
O problema é que Lula não tem colaborado e continua cometendo erros uns atrás dos outros, mantendo uma relação esquizofrênica com a realidade. Ele se comporta como se o país estivesse dentro da normalidade. Quando se esperava que fosse reagir ao desastre com uma obra de saneamento, aterrando o lamaçal para começar de novo sobre outras bases, única maneira de atenuar os estragos sofridos, promove uma reforma ministerial em cuja eficácia só ele parece acreditar.
Quando resolve falar, foi o que se viu em Paris, onde até a escolha do veículo é discutível: por que, tendo toda a imprensa brasileira lá, preferiu uma freelancer da televisão francesa? Com tanta coisa para dizer, optou por justificar um crime eleitoral sob a alegação de que é cometido "sistematicamente", como se a repetição conferisse legitimidade ao ilícito e esquecendo que 53 milhões de pessoas votaram nele justamente para mudar esse sistema corrupto. Cobrou que se diga à sociedade "onde o PT errou, por que o PT errou", mas nada sobre os próprios erros. Será que não desconfia que, tanto quanto o PT, ele deve explicações ao país? Ou será que não dá por que não as têm?
"Trabalhar com a verdade é muito melhor", ele disse, e todo o trecho soou como uma gafe diante da barafunda geral de mitômanos e cleptômanos que cercam seu governo: "A desgraça da mentira é que você, ao contar a primeira, passa a vida inteira contando mentiras para justificar a primeira que você contou." Pois é.
O senador Pedro Simon, do PMDB do B, ou seja, do bem, que torce pelo melhor, disse anteontem no programa do Jô que Lula ainda poderia aproveitar a crise para passar tudo a limpo, através de um choque moral e de gestão, tentando uma volta por cima. "Lula tem a obrigação de fazer uma limpa, de demitir, por exemplo, o presidente do Banco Central, que está sendo processado por corrupção."
Só que, ele completou meio desanimado, em lugar de governar com a sociedade, "Lula prefere se aliar a Sarney e a Renan Calheiros". O primeiro seria hoje o principal conselheiro do rei.
Entrevista:O Estado inteligente
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