Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 20, 2005

Merval Pereira As más companhias

o globo

Dois fatos ocorridos ontem dão bem a dimensão da situação caótica em que se meteram o governo do presidente Lula e seu partido, o PT. Ao decidir entregar o comando do Ministério das Cidades a um indicado do presidente da Câmara, deputado Severino Cavalcanti, o presidente Lula demonstra quão fundo pode ir na maneira pragmática de governar, a ponto de tirar do PT, e de um dos representantes mais ortodoxos do partido — o gaúcho Olívio Dutra — um ministério que era tido como fundamental, não apenas para aplicar as políticas públicas nas regiões metropolitanas defendidas na campanha eleitoral — saneamento, transportes, habitação — como até mesmo para fins eleitorais.

Ao mesmo tempo, o novo presidente do PT, Tarso Genro, classificou de "gestão temerária" a da antiga diretoria, que supostamente endividou o partido em montante impagável pelos métodos tradicionais, reconhecendo que se o PT fosse uma empresa, estaria em situação falimentar.

Apesar dessa análise rigorosa, a executiva nacional do PT reunida em São Paulo recusou a expulsão do ex-tesoureiro Delúbio Soares, mesmo depois de ele ter confessado publicamente que praticou o caixa dois nas últimas eleições, colocando sob suspeita todo o partido.

A reação à entrega do Ministério das Cidades a um apadrinhado do deputado Severino Cavalcanti foi imediata, com vários representantes de organizações não governamentais e da sociedade civil ameaçando deixar o Ministério. Também as combalidas bases do PT reagiram, a ponto de, no final da tarde, a ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, ter pedido a Olívio Dutra que se mantivesse no posto até segunda ordem, indicando que alguma coisa poderia ser alterada.

Não importa saber se a gestão de Olívio tem sido boa, ou se o técnico Márcio Fortes poderá fazer um trabalho melhor. O que está em jogo aqui é algo mais simbólico na visão petista, tão abalada pelos últimos acontecimentos: o até agora ministro Olívio Dutra foi dos que primeiro gritaram contra a política de alianças que estava sendo montada pelo governo, sob a coordenação do então ministro José Dirceu.

Por suas críticas, sempre esteve na alça de mira nas reformas ministeriais. Foi dado como morto em todas elas, e sempre ressurgiu com mais força dentro dos movimentos sociais petistas. Quando eclodiu esta última crise, que ainda se desenvolve, o ministro Olívio Dutra cunhou a melhor definição de suas causas: "A culpa é das más companhias", disse, referindo-se aos partidos aliados.

Pois agora será (ou seria) trocado por um indicado por um expoente dessas "más companhias", o presidente da Câmara, que já havia irritado o presidente Lula em uma reforma ministerial anterior, a ponto de fazê-lo suspender a reforma mal começada apenas para não dar o gostinho a Severino Cavalcanti de impor sua vontade — ele queria "aquela diretoria que fura poço e acha petróleo", lembram-se? Com a situação política deteriorada, Severino Cavalcanti não apenas determinou em que dia seria recebido pelo presidente da República, como anda exigindo um ministério com poder de fogo.

O caso do ex-tesoureiro Delúbio Soares é também exemplar da situação precária em que se encontra o PT. A esquerda do partido, que num primeiro momento teve a esperança de que a nova executiva nacional pudesse ser mais aberta do que a anterior — embora imposta pelo Campo Majoritário sem que houvesse negociação com as demais facções — pediu a expulsão do ex-tesoureiro, depois que ele confessou ter usado o caixa dois nas últimas campanhas eleitorais petistas.

A expulsão transformou-se em suspensão por 60 dias para poder ir à votação, e nem assim foi possível punir o homem que colocou todos os mandatos do PT em questão com uma "gestão temerária" que não teria compartilhado com ninguém. Se já ficava difícil acreditar que apenas Delúbio e Valério sejam os responsáveis por tantas falcatruas, com a decisão de ontem da executiva nacional ficou claro que o partido como um todo está envolvido nas armações do antigo tesoureiro, e por isso não tem condições de puni-lo.

Além do mais, pesou o temor de que Delúbio Soares, no depoimento hoje na CPI mista dos Correios, pudesse contar tudo o que sabe, saindo do script combinado. No entanto, a ameaça de não pagar as dívidas que Delúbio Soares e Marcos Valério admitiram pode provocar uma reviravolta nas investigações.

Além de enfrentar questões financeiras, o PT vive um sério problema de imagem. A pesquisa divulgada ontem pelo Ibope mostra que o PT é o mais atingido pelo noticiário sobre corrupção nos últimos dias.

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A pesquisa do Ibope fez mais uma rodada sobre a eleição presidencial de 2006. O presidente Lula continua ganhando no primeiro turno de todos os demais candidatos, com exceção do prefeito paulista José Serra. Mas, diante da atual crise política, uma das simulações do Ibope ganhou importância destacada: a que mostra a disputa presidencial sem a presença de Lula.

Entre as especulações que dominam o mundo político, a possibilidade de o presidente Lula não chegar a disputar a reeleição está posta, seja pela simples desistência em concorrer, seja pela renúncia ao seu mandato, ou ainda pela possibilidade, mais remota, de um impeachment. A percepção da população sobre essa última hipótese, por sinal, está bem dividida: 48% não acreditam na hipótese, mas 42% acreditam.

Na simulação de corrida presidencial com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, no lugar de Lula pelo PT, e com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pelo PSDB, o Ibope mostra que haveria segundo turno entre o ex-governador do Rio Garotinho, e o governador Geraldo Alckmin.

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