no mínimo
Seja por temor aos fantasmas da ditadura, seja porque a democracia brasileira é planta tenra e frágil, seja porque a economia vai bem, ainda que o povo não esteja lá muito firme nas pernas, não importa. Vamos combinar o seguinte: o presidente não sabia de nada. Um ex-ministro (Miro Teixeira) diz que contou, um ministro (Ciro Gomes) garante que fez o mesmo, um governador do PSDB (Marconi Perilo) assegura que avisou e um, vá lá, deputado (Roberto Jefferson) também bate o pé que revelou tudinho ao ouvido do presidente e viu até brotarem-lhe lágrimas de constrangimento. Mas isso deve ser cascata da grossa. Esse povo mente muito.
Até Jefferson enfiar o gogó no ventilador, o presidente nunca tinha ouvido falar de mensalão ou que outro nome venha a ter a prática de semear dinheiro para colher votos – y otras cositas – pelos escaninhos do Congresso, das estatais ou de agências de publicidade que servem ao poder público. Nada disso soube. Também jamais teve idéia do que fazia Waldomiro Diniz na assessoria mais próxima de seu amigo José Dirceu, então poderoso chefe do Gabinete Civil. Foi certamente um espanto, quando viu o probo Diniz filmado tentando extrair um óbulo da carteira de Carlinhos Cachoeira, personagem que os jornais, no início do caso, citavam como banqueiro do jogo-do-bicho e hoje tratam como "empresário do ramo de loterias".
É feita de muitas surpresas a vida de um presidente. Tanto que prometeram-lhe apurar tudo e ele ignora que talvez nunca se venha a saber a quem benfaziam as malfeitorias de Diniz. O inquérito na Polícia Federal parou como água de poço. Igual destino deve ter a apuração sobre a origem do dinheiro que Delúbio Soares, o tesoureiro do PT, entregou à dona Divina Inácio Naves para pagar os 22 alqueires de terra que dela comprou. Mas isso o presidente nem soube. Vai ver estava no exterior defendendo sua tese de que os países ricos devem pagar mais caro por suas compras para ajudar os pobres, porque se tem uma coisa que o presidente entende é de economia.
Mais que Delúbio, que deixou dona Divina às voltas com um embornal de dinheiro vivo ("porque o cheque não podia aparecer"), abriu um buraco de mais de R$ 70 milhões nas contas do PT e tentou se socorrer num banco, com o aval de um sujeito que agora tenta trocar o que sabe por uma temporada menor na cadeia. Mas o presidente jamais suspeitou disso. Sequer imagina, por exemplo, que seu partido talvez tome mais dinheiro dos filiados do que o bispo Macedo, dono de malas voadoras, dos pobres para quem pede tudo o que ganham em troca de riqueza terrena e vagas no céu.
Não contaram ao presidente que aparelhar o Estado, como fizeram o partido e o comissariado petista, não podia dar certo. Esconderam dele que isso era coisa de regimes quase todos hoje restritos aos livros de História. Também não lhe disseram que Delúbio Soares e José Dirceu oferecerem seus sigilos bancário e telefônico à CPI era só um gesto, que quando alguém tentasse botar a mão nessa mina a bancada do PT iria morder e arranhar. Afinal o truque é velho e endereçado à platéia. Garotinho, o notório, fez o mesmo no Rio quando a lama do caso Silveirinha ameaçou molhar-lhe os pés.
Nem o comissário Luiz Gushiken, um dos grandes defensores da reforma da Previdência, contou ao presidente que o faturamento da empresa da qual foi sócio cresceu 596% desde o início do governo. E com o que trabalha a empresa de que Gushiken fazia parte? Com previdência privada. Mas, como retirou-se da sociedade, o comissário não ganhou nada, certo? Claro, ainda que a empresa esteja instalada, em São Paulo, na casa em que ele morava antes de mudar-se para Brasília.
Certas coisas são apenas frutos da coincidência. A imprensa é que tem mania (seria vício?) de ficar revirando o lixo alheio em busca de malfeitos. Pura bobagem. Agora mesmo os jornais andam verrumando histórias em torno do filho do presidente. Só porque o rapaz, que se chamava Fábio Inácio da Silva, ao ganhar um pai presidente enfiou "Lula" no meio do nome. A partir daí, mal-parado no mercado de trabalho, criou uma pequena empresa de informática e logo apareceu uma gigante das telecomunicações que lhe despejou no colo R$ 5 milhões em investimento. Obra do acaso.
Claro que o presidente só soube disso agora, depois que leu nos jornais. Aliás, dia desses até disse que não sabe nada do que o filho faz. E não é para menos. O que ninguém diz é que o presidente não sabe dessas coisas todas, nem das que lhe contam, porque é pessoa muito distraída. Afinal, só porque compra-se uma centena de deputados a trinta mil pratas por mês o presidente tem de parar o que está fazendo para prestar atenção nisso? Quem lembra das peladas de sábado à tarde no campo da granja do Torto? Acabaram, não é? Pois é. Alguns jornais disseram que é por causa da dor no nervo ciático. Não é, não. O presidente só parou de jogar porque não faz idéia de onde largou as chuteiras.
Entrevista:O Estado inteligente
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