Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 19, 2005

Guilherme Fiuza A santificação do caixa 2

no mínimo
Ou os investigadores do mensalão tomam jeito, ou o Brasil vai consagrar mais uma safra de delinqüentes bonzinhos. Depois de assistir o bilionário Marcos Valério (suas empresas faturaram mais de R$ 1 bilhão em cinco anos) desfilar seu discurso de inocente por câmeras e inquéritos, o país vê Delúbio Soares confessar seu pecadilho: o PT "não contabilizou" alguns milhões de reais de verbas de campanha, mas fiquem tranqüilos, é tudo dinheiro limpo.

As CPIs, as polícias e os procuradores andam tão distraídos, que é bem capaz disso também empacar no disco arranhado da tal reforma política. A casa está pegando fogo e os moradores, já meio torrados, continuam discutindo a reforma do banheiro e o puxadinho da varanda. Enquanto isso, Delúbio aproveita para perpetrar seu lance insólito: confessar que operava no caixa dois e garantir que a origem do dinheiro eram empréstimos bancários perfeitamente legais.

Como alguém pode assegurar o DNA de um dinheiro que não foi contabilizado? Como admitir que na tal rubrica clandestina do PT, agora admitida pelo ex-tesoureiro, havia apenas os empréstimos que a imprensa descobriu? A confissão de Delúbio parece a de um marido adúltero que admite o caso extraconjugal, mas jura que só esteve duas vezes com a amante e nem foi tão bom assim.

Algumas perguntas que o Brasil, quando acordar da soneca, poderia fazer ao doutor Delúbio:

1. Se essas operações bancárias eram estritamente referentes ao partido e nada tinham a ver com o governo federal, por que os diretores dos dois bancos, exatamente o BMG e o Rural, foram apresentados por Marcos Valério – o avalista – ao então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, dentro do Palácio do Planalto? Coincidência?

2. Estabelecida esta relação, e dada a sua ligação estreita com Delúbio (seu homem no PT) e assídua com Valério (como testemunhou a secretária Karina), como pôde José Dirceu sequer ficar sabendo dos vários empréstimos milionários ao partido, como alega o ex-tesoureiro?

3. Por que o PT escolheu para avalista um publicitário cliente do governo federal (cujo patrimônio cresceu 60 vezes nos últimos três anos)?

4. Por que foi solicitado ao Banco Rural (e aceito por ele) que saques acima de R$ 100 mil, em dinheiro, pudessem ser feitos pelos destinatários apenas dando seus nomes, sem qualquer papel ou documento, apenas respaldados por fax enviado pelas empresas de Valério?

5. Por que Sílvio Pereira, ex-secretário geral do PT, tinha uma sala dentro do Palácio do Planalto onde recebia, junto com Delúbio, dirigentes de empresas estatais?

6. Seria também coincidência que os maiores fundos de pensão do país, dessas mesmas estatais, tenham passado a fazer investimentos altos em carteiras dos mesmos bancos Rural e BMG?

7. E o fato de Luiz Gushiken, há anos o encarregado no PT da relação com os fundos de pensão, ter-se tornado na Secretaria de Comunicação o grande avalista para as empresas de Valério ganharem contratos somando R$ 144 milhões no governo Lula? Outra coincidência, ou mais um parafuso no duto ligando empresas estatais ao PT, via Marcos Valério?

8. O dinheiro sacado pelo deputado José Janene (PP) na conta da agência de Valério no BMG (como mostrou o arquivo morto do banco) estaria entre as dívidas de campanha do PT com aliados?

9. Se era dívida de campanha, e não mensalão, por que foi sacado pelo líder da bancada, e não pelo tesoureiro ou mesmo pelo presidente do partido?

10. Por que as empresas de Valério aceitaram avalizar R$ 40 milhões em empréstimos a um partido em sérias dificuldades financeiras (como atesta a nova direção), com poucas chances de saldar a dívida a médio prazo?

É claro que o cálculo de Delúbio, assim como o de Valério, é embrulhar tudo numa fraudezinha de caixa dois eleitoral – o que lhes sairia quase de graça, diante do esquema bem mais criativo que aparentemente teriam operado. E que providência os investigadores anunciam? Promover uma acareação entre Delúbio e Valério! Os dois, a esta altura, devem estar rindo à toa. Logo eles, que não fizeram outra coisa ultimamente senão ensaiar sua nova versão para os milhões voadores, terão a chance de interpretar o dueto ao vivo. No mínimo deixarão Zezé di Camargo e Luciano, a dupla oficial, no chinelo.

Desembarcando dos devaneios da CPI, onde está a Polícia Federal que não dá uma blitz na sede do PT? Há uma confissão de caixa dois, por acaso os computadores do partido já foram apreendidos? Ou vai-se esperar Delúbio entregar espontaneamente toda a contabilidade clandestina? No país do grampo e dos arapongas, ninguém se interessa pelas conversas telefônicas de Delúbio Soares e José Dirceu?

Nem um grampinho nos vários celulares de Valério para desmontar de vez a mentirada? Na era da Internet, o Ministério Público, sempre tão diligente, não consegue caçar um mísero e-mail trocado entre os suspeitos? Onde está o raio-x das contas milionárias do publicitário? A CPI está dando um tempinho para que os bancos possam inventar extratos novinhos em folha?

Com a letargia do Congresso, os procuradores procurando (e não achando), a PF ocupada com a Daslu e os arapongas todos a serviço da causa de "transformação social" do companheiro Delúbio, talvez o resto dos brasileiros devesse fazer uma vaquinha para catar um detetive particular nos classificados, desses que investigam adultério. Costumam ser discretos e eficientes. E dão recibo.


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