Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 25, 2005

Vossa Excelência, a CPI dos Correio Sérgio Augusto



 O Estado de S. Paulo (24/07/05)

Maus-tratos à língua e discursos histéricos estampam um País ainda desqualificado para o poder

Saiu o Big Brother Brasil, entrou o Big Brothel Brasil - o reality show da vez ou, quem sabe, o reality show para acabar com todos os reality shows. Com muito mais ibope que os anteriores, é uma videocacetada cívica que só não me arrisco a comparar com a agonia do governo Collor porque naquela época ainda não havia a TV Câmara nem a Globo News para cobrir ao vivo as intimidades do bordel. Fomos mesmerizados pela CPI dos Correios, não perdemos uma edição do Jornal Nacional, não falamos de outro assunto com os amigos. Isso é muito chato.

A metástase da corrupção tornou-se uma idéia fixa nacional, e mesmo quem não tem culpa no cartório anda com medo de ver um homônimo despontar numa lista de propinas e saques ilícitos intermediados pelo Marcos Valério. Isso faz mal à saúde.

Os menos pessimistas se consolam com a esperança de que é para o bem do País tudo o que estamos vendo e padecendo. Espero que seja, embora duvide que ainda dê para consertar um país que nasceu e cresceu torto, e que poucas vezes em sua história teve um Congresso tão chinfrim e venal. A crise é do Parlamento, vive a me lembrar o cientista político Nelson Paes Leme, pensando na questão da representação popular, nos furos que permitem a eleição e reeleição dos severinos & cavalcantis.

"O Brasil não tem quadros", queixava-se o professor Eugênio Gudin. E o PT, como está se vendo, menos ainda. Mas os demais partidos não lhe podem atirar pedras. Com as exceções mais ou menos notórias, são lamentáveis, sob qualquer ponto de vista, os deputados e senadores que a crise em curso tornou mais próximos de todos nós, mais visíveis, freqüentes e desnudáveis.

Não são poucos os que demonstram despreparo técnico para participar de uma CPI, fazendo as perguntas erradas, deixando escapar detalhes preciosos ou simplesmente tumultuando o interrogatório, o que pode vir a beneficiar os pilantras envolvidos na crise e comprometer a devassa. Não são poucos os que persistem em fazer das sessões da CPI um palanque, um horário eleitoral gratuito (se você pensou logo no deputado Rodrigo Maia, meus parabéns). Ou um concurso de histeria (com a senadora Heloisa Helena ligeiramente à frente da senadora Ideli Salvatti).

E o que dizer do peralvinho ACM Neto? E do "schadenfreude" estampado no sorriso de parlamentares que, não por acaso, zelam mais por sua carreira política do que pela coisa pública? E do linguajar de vários parlamentares, cheio de solecismos, derrapagens sintáticas e lugares-comuns? Para não falar da hipócrita etiqueta parlamentar, que assegura a qualquer mequetrefe o direito a um "vossa excelência". Eu preferia ser tratado sempre por você, mas com carinho, a levar pela cara algo do tipo "Vossa Excelência é um ladrão contumaz, um salafrário!"

A CPI, por cujo sucesso torço fervorosamente, só teria a ganhar se a senadora Salvatti abusasse menos do advérbio "efetivamente", se o netinho do vovô ACM refreasse o seu ruybarbosismo e fosse menos enfático e eloqüente (Pascal já dizia: "Eloqüência demais cansa"), se o deputado Eduardo Paes acertasse todos os seus pronomes pessoais. Pois já bastam os "esses" e os plurais que Delúbio Soares, Marcos Valério e Silvio Pereira costumam comer, não para homenagear o presidente Lula, mas porque não sabem se expressar corretamente, mesmo.

George Orwell escreveu, em 1946, um ensaio muito lido e citado sobre a influência da política na língua inglesa, que teria ficado feia e imprecisa pelo excesso, no discurso político, mas não só nele, de clichês, jargões, adjetivos equivocados, palavras de sentido vago ou múltiplos sentidos, sinônimos pernósticos e metáforas incongruentes, facilitando o empobrecimento das idéias e, por conseguinte, a ocupação do poder por gente medíocre, desqualificada. Os políticos brasileiros nunca deixaram Orwell perder a atualidade.

Quando a ditadura militar acabou, fiz por alto um balanço dos estragos acumulados, incluindo o período pré-64, e concluí que precisaríamos de pelo menos três presidentes como Franklin Delano Roosevelt, eleitos sucessivamente, para desviar a vaca para bem longe do brejo. E o que tivemos depois que o último soba fardado se foi? José Ribamar Sarney. Resultado: ficamos precisando de quatro ou cinco Roosevelts. Como depois nos sobreveio o Collor, desisti de refazer a conta.

Não sabia, portanto, de quantos Roosevelts necessitávamos quando FHC assumiu a Presidência, nem com quantos deveríamos sonhar depois que ele passou a faixa para Lula. Agora, receio, nem dez Roosevelts seguidos dariam jeito nisso aqui. Aparentemente, já tentamos de tudo. Elegemos um jovem bonito e bem nascido, comparado pelo Paulo Francis a um "herói de Plutarco" e que, por ser rico, não iria nos roubar (tese do colunista social Zózimo Barroso do Amaral, R.I.P.), com as conseqüências de sobejo conhecidas. Aí tentamos um sujeito que conhecia mais do que qualquer um de nós os problemas do país: o "príncipe da sociologia brasileira", Fernando Henrique Cardoso, um presidente tipo exportação, que só conseguiu reeleger-se apelando para uma mutreta cambial cujos danos à economia até os tucanos mais confiáveis reconhecem. Com Lula, ousamos, demos ao mundo um exemplo, alçando ao poder um operário. Se bacharéis de todas as plumagens não acertaram a mão, perguntou-se o eleitorado, por que não experimentar alguém sem anel no dedo - e com um dedo a menos?

Não sei o que mais nos resta a experimentar. Talvez um bombeiro, quem sabe, aquele bombeiro da Luma de Oliveira. Pior do que o Garotinho, por exemplo, ele não seria. E Garotinho, o Elmer Gantry fluminense, pode ser perfeitamente a próxima ousadia do eleitorado, hipótese só descartável se o arraial político sofrer nos próximos meses uma faxina ética e moral ampla, geral e irrestrita, acompanhada de uma reforma política radical o suficiente para tornar qualquer cargo público inacessível aos picaretas e canalhas de todas as colorações.

Quando Lula disse, em Paris, que "o Brasil não merece isso", perguntei ao meu id: "Não merece exatamente o quê?" E o meu id respondeu: "Um presidente como ele, que ou foi enganado ou se omitiu ou é conivente". Meu id está por aqui com a crise do mensalão, com a evangelização do Roberto Jefferson (ídolo confesso do Thiago Lacerda, bem feito pros dois) e com duas coisas há dias salientadas por Tutty Vasquez, no site nominimo: a mediocrização do humor (todo mundo virou piadista no governo Lula) e a banalização da desonestidade depois que o último símbolo da moralidade nacional, Lula, veio ao chão.

"Ficou mais fácil", argumentou Tutty, "aceitar a idéia de que todos nós somos iguais: mentirosos, ardilosos, inescrupulosos, cínicos, espertos, caras-de-pau e debochados. Não somos, mas, não há como negar, estamos todos pela primeira vez rindo da mesma piada, o que para os humoristas é muito grave. A boa anedota é aquela que divide, faz rir a uns, irrita outros."

Como aquela piada em que a Rosinha e o Garotinho... ah, deixa pra lá.

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